O CABO ATITUDE
Quiçá fosse verdade!
“O Brasil inteiro foi pego de surpresa pela notícia da nomeação de um novo Ministro da Defesa, mas foi uma ficção!
A curiosidade foi exacerbada pela comunicação de que sua posse aconteceria já no dia seguinte, e que imediatamente após a cerimônia ele daria uma entrevista coletiva à imprensa, na qual faria declarações de extrema relevância.
"Quem é esse Cabo Atitude (fio-desencapado)" Perguntavam-se todos.
As pesquisas feitas pela Imprensa pouco esclareceram a curiosidade. Descobriu-se apenas que era um Cabo do Corpo de Bombeiros, tido como militar dedicado e humano, homem religioso, discreto, culto e afável, mas inflexível em matéria de legalidade e crítico feroz de todas as formas de corrupção.
Essa última característica foi a que mais alarmou a elite política brasileira.
A cerimônia de posse foi breve. O general Braga Netto limitou-se a declarar que deixava o cargo com a sensação do dever cumprido e a convicção de que "nas delicadas, graves e inusitadas circunstâncias políticas atuais" o homem ideal para o cargo, era, sem dúvida, o seu ora sucessor, Cabo Atitude.
Este fez o discurso já resumido na sinopse-trailer: sempre defendera que militares deveriam manter-se isentos de declarações políticas, mas que, numa época em que os supremos magistrados da nação desobedeciam cotidianamente ao princípio de que um juiz só deve falar nos autos, e em que a maioria do Congresso não se preocupava em dar voz ao povo que representavam, e, sim, à defesa de seus interesses pessoais, o silêncio das FFAA ante tal crise representava omissão, em vez de isenção.
- Cabo atitude: "O país está dividido ideologicamente com uma intensidade só observada nos anos 1960 do século passado. Os eleitores de Lula e de Bolsonaro odeiam-se. A Grande Imprensa, majoritariamente, odeia o atual presidente, o mesmo acontecendo com vasta parte dos congressistas. 8 dos 10 atuais membros do Supremo Tribunal Federal foram nomeados pelos ex-presidentes Lula e Dilma, inimigos figadais do presidente Bolsonaro, e essa Corte tem invadido a esfera de competência do Executivo e do Legislativo cotidianamente. Nessas circunstâncias, o diálogo é imprescindível. Mas, verdadeiramente, não vem existindo. O resultado é essa crise eterna. Que eu, como Ministro da Defesa, tentarei resolver, atuando como promotor do diálogo entre os Poderes e apontando os abusos e requerendo sua correção."
- Jornalista: "Ministro, estamos diante de uma intervenção militar? De um golpe de Estado? Ou do quê?"
- Cabo Atitude: "Claro que não se trata de intervenção ou de golpe. Intervenções militares pressupõem que as competências de outros Poderes da República sejam solapadas ou, pelo menos, reduzidas. Golpes, além disso, violam normas legais. Pretendo que cada Poder volte a exercer em sua plenitude as atribuições que lhe são conferidas pela Constituição, e a respeitar nossa Carta Magna. Ora, isso é precisamente o contrário do que é feito em intervenções ou em 'coups d'etat'."
- Jornalista: "Cabo Atitude, o que o senhor quer dizer, na prática, quando afirma que estimulará o diálogo entre os Poderes ao mesmo tempo em que apontará seus abusos? Como isso pode ser feito?"
- Cabo Atitude: "Diálogo implica conversa e disposição de mútuo entendimento. Eu solicitarei audiência com as mais altas autoridades da nação, como os presidentes do STF, do Senado e da Câmara, e outras lideranças importantes, e apontarei itens em que creio terem se excedido, ou em que precisem retomar seu protagonismo. Tudo isso sempre no contexto do respeito à Constituição."
- Jornalista: "Mas ministro, o papel das FFAA é defender a nação de agressões de forças externas e internas. O tipo de atividade que o senhor pretende exercer chama-se articulação política, e cabe ao chefe da Casa Civil, a lideranças do governo, ou ao próprio presidente da República. Não a um Ministro da Defesa. Quanto ao respeito à Constituição, quem tem atribuição para fiscalizar isso são a Procurador-Geral da República e, em última instância, o STF. Não o senhor."
- Cabo Atitude: "O que você acaba de afirmar está perfeitamente correto... num contexto político-jurídico normal. Já expliquei que não é o caso atualmente. Os Três Poderes da República encontram-se em conflito, e isso deu azo a violações da Constituição."
- Jornalista: "Como assim?"
- Cabo Atitude: "O STF usurpou competências do Executivo e do Legislativo, e nem estes dois Poderes nem a PGR estão conseguindo fazê-lo retroceder a suas atribuições constitucionalmente previstas. Pior ainda, o STF não aceita mais sequer críticas acaloradas a sua atuação. Passou a ver nelas conspirações contra o Estado Democrático de Direito. E, a pretexto de defender a democracia, instaura ele próprio inquéritos em que é, ao mesmo tempo investigador, vítima, acusador e julgador, como nos processos da Santa Inquisição espanhola. E censura, ameaça, ordena prisões por crime de opinião, de quaisquer pessoas, inclusive de congressistas."
- Jornalista: "Mas general, repito: se o STF estiver, de fato, violando a Constituição, cabe ao Congresso ou à PGR agir contra os atos dessa Corte. Não ao senhor."
- Cabo Atitude: "Eu também repito: não estamos em circunstâncias normais. O STF vem desrespeitando, coagindo e intimidando cidadãos humildes e altas autoridades. Hoje, ninguém no Brasil está a salvo de ser preso arbitrariamente por ordem do STF... exceto nós, militares, em especial de alta patente. Entendeu, agora, por que eu, como Cabo da faxina, ministro da Defesa, preciso atuar politicamente neste momento? Os ministros do STF não ousarão fazer nada contra mim. Represento, logo abaixo do presidente, as FFAA."
- Jornalista: "Mas os ministros da Defesa anteriores ao senhor não pensaram assim... Será porque nunca foram Cabo da faxina?"
- Cabo Atitude: "Sim, infelizmente. Generais participantes do governo chegaram a aceitar humilhações de ministros do STF. Sua submissão, movida pelo nobre motivo de não gerar uma crise institucional, apenas tornou a Suprema Corte mais ousada em seus abusos. Só tremeram na base quando ouviram falar em um Cabo, um Soldado e um Jipe."
- Jornalista: "O senhor pode explicar a que fatos, especificamente, está se referindo?"
- Cabo Atitude: "Perfeitamente. Em abril do ano passado, os generais Augusto Heleno, Walter Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos foram intimados por Celso de Mello, então ministro do STF, a comparecer para depor no inquérito "a la" Inquisição Espanhola de que falei. Celso de Mello acresceu à ordem de intimação a ameaça de que, caso os generais não comparecessem voluntariamente, 'que sejam conduzidos debaixo de vara, como qualquer cidadão.'"
- Repórter: "Qual o problema?"
- Cabo Atitude: "Intimações para depor não costumam vir com esse acréscimo. Logo, Celso quis afrontar os militares referidos, fazendo os saudosos generais Castelo Branco, Costa e Silva, Emílio Médici e Ernesto Geisel se virarem em seus túmulos, E estes atuais, submissamente, limitaram-se a acatar a intimação. Senti vergonha alheia por eles. Compreendi sua intenção de não piorar a crise. Mas na verdade isso só fez intensificá-la. Quando se responde com humildade a um 'valentão', ele aumenta seus abusos. Se se retorquir com altivez é que ele recuará. As FFAA tiveram, depois, oportunidade de comprovar isso."
- Repórter: "Como?"
- Cabo Atitude: "O ministro do STF Gilmar Mendes, em junho deste ano, acusou publicamente o presidente Bolsonaro de genocídio, o mais horrendo dos crimes existentes. As FFAA quedaram-se silentes. Quando Gilmar, porém, acusou as FFAA de serem cúmplices no genocídio, o Ministro da Defesa e os comandantes das três Armas emitiram nota em que declararam serem tais declarações 'irresponsáveis, intoleráveis e inadmissíveis.'. Imediatamente Dias Toffolli, então presidente do STF, declarou que a posição de Gilmar não refletia a do Plenário da Corte, sendo só dele. E o próprio Gilmar ligou pessoalmente para se desculpar e dizer que nada tinha contra as FFAA. Viu como é fácil? Golpes de Estado e 'quarteladas' são um meio desnecessário, um arcaísmo dos anos 1960. Hoje uma simples declaração pode gerar medo, se vier de fonte que tem meios de coerção. E assim se evita a necessidade de se recorrer DE FATO à coerção."
- Jornalista: "É assim que o senhor pretende dialogar com os chefes de Poderes? Por meio de notas públicas indignadas e ameaçadoras?"
- Cabo Atitude (rindo): "Bela ironia, rapaz! Só podia ser da Folha ou da Globo... Não, dialogarei valendo-me de exortações e negociação. Mas é claro que minha declaração prévia de que não tolerarei afrontas e que, se preciso, as FFAA estarão dispostas a ir às últimas consequências para restaurar a democracia no Brasil será um poderoso indutor de 'boa-vontade' em meus interlocutores. Obrigado pela presença de todos vocês. Não se preocupem, vocês da Imprensa, que as FFAA não existem para dar golpes de Estado e, sim, para defender o Estado de Direito. Quem defende ditaduras no estilo Cuba e Venezuela geralmente são pessoas que se intitulam 'progressistas'. Agora, com licença, estou com muita cede e tenho que tomar uma atitude na birosca do meu colega Cabo desencapado, seguidamente, tenho muita gente com quem conversar e muita gente para libertar. Não pretendo censurar e nem prender ninguém. Afinal, eu sou o Cabo da faxina. Não um ministro do atual STF."
Por Fernando Cavalcante.