AMOR EM PEDAÇOS

 

Sonhos, suspiros, beijinhos, olho de sogra, amor em pedaços, que nomes sugestivos têm esses doces tão familiares de nossa culinária!

Enquanto eu era criança e adolescente, não tinha noção do grande amor que era servido por mamãe ou pelas avós junto com seus quitutes caseiros.

Quase que ainda posso ouvir os passos da vovó paterna, Mariquinha, indo e vindo da cozinha, arrastando os chinelos, trazendo algo para comermos. Ficava feliz em nos preparar um virado de feijão preto, temperado em banha de porco, com farinha de beijú, bastante cebola, alho e cebolinha picados. Colocava em um prato para cada um de nós e coroava com ovo frito no capricho. E o que dizer do leitão assado e dos torresmos que tão bem preparava? Das formas de pão quentinho que tirava do forno redondo, de tijolos, no quintal? Nos dias em que o mau tempo não nos permitia brincar ao ar livre, nos preparava bolinhos de chuva, polvilhados com açúcar e canela.

Em nossa própria casa, na grande cozinha aquecida pelo fogão de lenha, nos rigorosos invernos de Santa Catarina, nos sentávamos perto do fogo para comer pinhão assado na chapa, que papai nos dava já descascados. Permanecem na minha lembrança, o cheiro e o gosto da simples comida caseira de mamãe, suas sobremesas de doce de abóbora, as caixetas de goiabada e marmelada. Alguém hoje conhece marmelo? Nunca mais vi, porém, o doce era divino. No alto dos armários da cozinha, havia compotas das frutas colhidas no quintal e conservas dos legumes que papai e mamãe plantavam na horta. A cozinha recendia a cheiros diversos, de alho e cebola, de açúcar, canela e muito amor. Hoje, em meus sonhos, passeio por essa cozinha, ouvindo as conversas, os gritos e risadas das crianças disputando e brigando pelos restos da massa de bolo, na bacia onde mamãe acabara de batê-la com colher de pau.

Sublimes eram as bolachas confeitadas, de araruta em forma de estrela, meia-lua e coração. Tudo era tão simples. Mamãe sempre de avental, nunca pintou as unhas, nem usava maquilagem mas a beleza residia nos gestos, nas atitudes, na doçura do olhar, na aceitação dos fatos da vida, com serenidade e sabedoria. Assim nos educou. Sua mãe, vovó Bernardina, também preparava tudo em casa, primeiramente, na vida dura de fazenda, onde teve 16 filhos, dos quais criou 13. Lembro-me dos queijos que fazia, deixando a massa dentro de um pano de prato amarrado à torneira, o soro coando na pia. Tinham gosto de leite puro, gordo, tirado das vacas pela manhã. Das carnes assadas, de porco, de boi ou de carneiro, criados na fazenda, o sabor era especial. A banha de porco temperava quase tudo, entretanto, não me lembro de ter conhecido muitas pessoas obesas, como hoje. Os alimentos eram naturais, autênticos, caseiros, simples e gostosos.

Mesmo quando já estava bem idosa, vovó Bernardina, após sofrer um AVC, na cama de hospital, dizia para minha tia Ely que fosse para a cozinha passar um café para a visita que fora vê-la. A cozinha era seu ambiente, seu reino. Ali passara grande parte da vida, servindo pratos de carinho a todos que chegavam.

Foram pessoas valorosas e não serviam só alimentos, serviam amor e amizade, no que hoje para mim, tem sabor só de saudade.



 

Aloysia
Enviado por Aloysia em 17/10/2021
Reeditado em 07/02/2023
Código do texto: T7365757
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