Professora de Ressaca Pós-15 de Outubro

Aborrecida, recebi, neste 15 de outubro, dezenas de mensagens de atuais e ex-alunos e de colegas de trabalho de agora e de outros verões. São sempre as mesmas mensagens protocolares, não raro encaminhadas de forma automática. Sou mãe, mulher e professora. Sou alvo de tais mensagens impertinentes três vezes ao ano. Religiosamente. Dia dos Professores, Dia das Mães, Dia da Mulher.

Chama atenção o campo semântico em comum das homenagens: heroísmo, dor, sacrifício, guerra, alternados com amor, paciência, dedicação. Os exageros e a idealização das figuras de mãe, mulher e professora (sim, no feminino, pois ainda é uma profissão associada à mulher) só revelam o óbvio: são posições atrozes para aquelas que as ocupam. O que é realmente bom e gratificante não precisa ser vendido como bom e gratificante. Simplesmente o é. Não tenho notícias do Dia do Herdeiro, do Dia do Político ou do Dia do Homem Branco e Rico. Se existem, são datas menores, pouco lembradas.

Se há a necessidade de alardear a suposta beleza de algo, isso, por si só, já é um sinal de que há muitos não-ditos abaixo da superfície. Tomo como exemplo a velhice. Os anúncios de empréstimos para aposentados e de suplementos vitamínicos usam expressões bem conhecidas, como "melhor idade", "terceira idade" e afins. Por trás desses eufemismos, que procuram a todo custo evitar a palavra 'velho', evidencia-se o desconforto que há em chamar as coisas pelo nome que elas têm. A velhice não é, nem de longe, a melhor idade, convenhamos. Traz, certamente, suas vantagens, ao passo que os inconvenientes do declínio do corpo e da mente não podem ser negados.

O mesmo se passa com as pouco originais mensagens que sugerem quase uma canonização de quem é fêmea, de quem pariu e/ou criou, ou de quem educa os filhos alheios. Há beleza em quase tudo, é preciso reconhecer. Ela pode ser vista no sorriso de um filho, na contemplação da criança que dorme limpa e bem nutrida, no estudante que descobre a beleza de um poema, nas palavras sábias de uma senhora enrugada. Não obstante, a mulher, a mãe e a professora não querem se tornar mártires, como em uma competição de quem sofre mais.

Não nos esqueçamos de que a professora é, antes de tudo, uma operária, uma trabalhadora, que labora por um salário, que se cansa, que é agredida verbalmente (quando não fisicamente), que se atreve a sonhar com outros reconhecimentos além das mensagens tolas, ironicamente recheadas de erros de português. Valorizar o professor é respeitá-lo todos os dias, é fazer os deveres de casa, é estudar a matéria proposta. Mil vezes prefiro uma redação bem feita a uma mensagem pré-fabricada de grupos de WhatsApp.

Quanto à maternidade, não enganemos as mulheres que ainda não são mães. Não é bonito parir. Envolve muita dor, sangue, carne rasgada. Fezes, muitas vezes. As fotos das mães recém-paridas e emocionadas com suas crias, que são postadas no Instagram, são resultado, com frequência, do trabalho de equipes de maquiadores, fotógrafos e algumas dezenas de cliques. Ser mãe é trabalho não-remunerado, 24 horas por dia, sem direito a aposentadoria ou férias. Em vez de flores que apodrecem e de músicas de gosto duvidoso, ofereçam às mães um dia para elas, para que possam redescobrir a sua individualidade, para que possam sentir o gosto de serem um pouco livres. Mãe é gente. E gente sente dor, raiva, tédio, arrependimento. Inclusive, de ser mãe.

Se sinceras fossem, as homenagens das referidas datas comemorativas trariam palavras de solidariedade em vez de parabéns. Soariam mais honestas se oferecessem apoio e empatia à dura lida feminina. Trago algumas sugestões: "Mãe, obrigada por não ter fugido no meio da noite e por ter suportado o trabalho árduo de me alimentar e de me manter limpo, sem pagamento". "Professora, solidarizo-me com seu trabalho de enxugar gelo, educando, em muitos casos, quem não quer ser educado. Compreendo que você precisa de uma fonte de renda". "Mulher, reconheço que temos sido abusadores e violentos desde sempre, obrigada por não se rebelar e aceitar sua posição secundária".

Em suma, o sábio ditado português apreende bem a realidade feminina: "Mãe, o que é casar? Filha, é fiar, parir e chorar". A ele, acrescento a função de ser professor, não à toa atrelado ao universo feminino. Abdico das mensagens enfadonhas em troca de condições mais dignas de trabalho, abdico das flores em troca de um parceiro presente na criação dos filhos, abdico dos cavalheirismos protocolares em troca de respeito nos outros 364 dias do ano. E um último favor: deixem de tocar a música Mulher, do Erasmo Carlos, como se homenagem fosse. Não tem nada de bonito na rotina de uma mãe e esposa que é escrava de "quatro homens dependentes e carentes da força da mulher".

Atenciosamente,

Uma Professora, uma Mãe, uma Mulher.

Miss Araújo
Enviado por Miss Araújo em 17/10/2021
Reeditado em 17/10/2021
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