CANCELAMENTO SOCIAL ("A desinformação mata mais gente que qualquer guerra, bomba, arma, vírus ou doença!" — Daniel Torres)

Sentado no bar da esquina, observo o vaivém das pessoas na rua. O copo de uísque à minha frente reflete a luz amarelada do estabelecimento, criando um brilho quase hipnótico. Penso em como cheguei aqui, neste ponto da minha vida, onde as palavras parecem ter perdido seu poder. Era uma vez um homem cheio de ideias, ansioso para compartilhá-las com o mundo. Eu era esse homem. Mas o mundo, ah, o mundo tinha outros planos.

Lembro-me da primeira vez que percebi que minha voz estava sendo sufocada. Foi numa reunião de trabalho, há alguns anos. Apresentei uma proposta inovadora, fruto de noites em claro e litros de café. O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Olhares vazios, sorrisos forçados, e então... nada. Como se eu tivesse falado em uma língua estrangeira que ninguém ali compreendia.

Desde então, notei um padrão se formando. Não era apenas comigo. Era como se a sociedade tivesse decidido coletivamente fazer uma greve de ouvidos. Ouviam, mas não escutavam. As palavras ricocheteavam em paredes invisíveis de indiferença. Viver em sociedade deveria ser um exercício de liberdade, mas, muitas vezes, sinto que estamos presos pela surdez daqueles que nos cercam. É uma repressão silenciosa, uma indiferença disfarçada que nos empurra para o abismo do cancelamento.

Vi amigos brilhantes sucumbirem a essa surdez social. Alguns, como eu, buscaram refúgio no álcool. Outros se perderam no labirinto das redes sociais, compartilhando informações sem filtro, embriagados pela ilusão de serem ouvidos. Tornamo-nos todos bêbados, de uma forma ou de outra. Bêbados de frustração, de desinformação, de solidão. É uma forma de vingança, um protesto silencioso, uma greve de se expressar.

O garçom se aproxima, oferecendo mais uma dose. Hesito por um momento, mas aceito. O líquido âmbar desce queimando minha garganta, assim como as palavras não ditas a queimam por dentro. Penso nos jovens lá fora, ainda cheios de esperança e ideias. Quanto tempo até que eles também percebam que estão gritando no vácuo? Quanto tempo até que se juntem a nós, os embriagados silenciosos, que falam "coisas com coisas" porque ninguém realmente se importa com o que dizemos?

A noite avança, e com ela cresce minha melancolia. Vejo nossa sociedade caminhando para um abismo de autocensura, onde só diremos o que os outros querem ouvir. Uma ditadura silenciosa, imposta por nós mesmos sobre nossas próprias mentes. Em breve, temo que não haverá mais democracia. A sociedade hipócrita, que diz não gostar de armas, nos mata com "línguas de fogo", abafando a voz dos corajosos.

Mas algo em mim se rebela contra esse destino. Talvez seja o álcool falando, ou talvez seja aquele homem cheio de ideias que eu costumava ser. Levanto-me, cambaleante, e saio para a rua. O ar fresco da noite me atinge como um tapa na cara. Olho para o céu estrelado e, pela primeira vez em muito tempo, sinto vontade de gritar. Gritar todas as verdades que ficaram presas na minha garganta por tanto tempo.

Porque, no fim das contas, o verdadeiro pecado não é jogar pérolas aos porcos. É deixar que as pérolas se percam dentro de nós, sufocadas pelo medo e pela indiferença. Enquanto caminho para casa, decido que amanhã será diferente. Falarei, mesmo que ninguém escute. Gritarei, se for preciso. Porque o silêncio dos embriagados - seja pelo álcool ou pela apatia - é o primeiro passo para a morte da liberdade.

Concluo esta jornada noturna com um suspiro de frustração e esperança. Frustração pela situação atual e esperança de que, um dia, possamos voltar a valorizar a verdadeira comunicação, onde ouvir é mais do que apenas escutar. Onde a liberdade de expressão não seja uma batalha constante, mas um direito inalienável. Até lá, continuarei lutando, acreditando que a mudança é possível, mesmo que pareça distante. E quem sabe, com persistência e coragem, possamos finalmente cantar uma nova canção, onde cada voz tenha seu valor e cada palavra, seu peso.

E eu, por Deus, ainda não estou pronto para morrer em silêncio.

Questões Discursivas:

1. O texto apresenta uma reflexão crítica sobre a comunicação na sociedade contemporânea, abordando temas como a dificuldade de se fazer ouvir, a proliferação da desinformação e o crescente risco da autocensura. Através da narrativa do personagem e da metáfora da "surdez social", o autor explora os desafios da comunicação autêntica e da liberdade de expressão em um mundo cada vez mais polarizado. De que forma o autor utiliza a figura do "bêbado" para representar a frustração e o silenciamento daqueles que se sentem ignorados ou marginalizados?

2. O personagem vivencia um momento de epiêmia, reconhecendo a necessidade de superar o medo e a indiferença e se expressar livremente, mesmo que isso signifique enfrentar o julgamento ou a rejeição dos outros. Como essa mudança de perspectiva se relaciona com a defesa da liberdade de expressão e da busca por uma comunicação mais autêntica e significativa?