A FILHA PRÓDIGA
O domingo amanheceu derramado em chuva. As ruas se esvaíram em enxurradas, esvaziaram-se de gente. Exceto por um grupo que desceu o morro, sombrinhas e moletons coloridos, a caminho da missa. Fielmente, o cão magro e molhado seguia-o.
A chuva é como o filho pródigo da parábola: corre mundo, não manda notícias, vive como se não houvesse amanhã, quebra a cara... sempre volta. E, ao chegar à casa paterna, encontra a mesa posta, o abraço firme, os festejos daqueles que tanto ansiaram seu regresso. Os sorrisos silenciam as perguntas; as lágrimas confortam.
Os grossos pingos molharam a escrivaninha no breve instante em que fui ao banheiro; quase alcançaram os livros que, por falta de espaço, vivem empilhados ao lado da cama. No rádio, uma antiga canção me remete aos tempos em que “eu via o mundo azul”.
O tamborilar monocórdio dos pingos na janela agora fechada é entrecortado pela algaravia das maritacas. Inquietas, saem como os sacis a reinar por aí, mesmo sob chuva. Alguém comentou mais cedo: quando o ônibus chegou, chovia demais; não desceu muita gente, não. Sempre chove quando há partidas; às vezes, também quando retornamos.
Como o filho pródigo, a chuva desembarcou no domingo. Não obstante o cinza que se adonou do céu, há festejos para recebê-la. Tais festejos, contudo, não escondem o temor doutra partida: afinal, inconstância é o codinome da chuva... Este outubro tem sido de chuvas, de benfazejas e ansiadas chuvas.