Aula de Relevo
Das curvas femininas falam os poetas, os cronistas, o frequentador contumaz do sujo botequim. Derrapam pelas encostas dos seios fartos e das ancas redondas até pilotos experimentados, que pedem arrego, rendidos e entregues às mulheres-deusas, em cujos vales escuros e profundos escorre a própria essência da vida.
À beleza dessas divas, esculpiram-se estátuas, pintaram-se telas, cumpuseram-se poemas. As musas são quase sempre inacessíveis, por isso tão representadas nas artes, na música, nas tristes canções dos marinheiros. É o retrato do frágil macho, embevecido em sua suposta superioridade moral, a confessar sua dependência orgânica, visceral, da Grande Fêmea, da vulva-mor, buraco-negro do universo.
As mulheres-deusas, por sua vez, acostumadas à rendição masculina, de pouco tempo dispuseram para entoar louvores à beleza dos pobres mortais que a seus pés se prostram. Ocupadas desde sempre, nas camas, nos estábulos, sob o céu aberto, no chão estampado, a exaurir a força vital dos amantes, que jorra no ventre e alimenta a Grande Dama, estiveram as mulheres, desprovidas de ócio para as artes e ciências. Bestas famintas que se alimentam de homúnculos prazeres-dependentes, anexos de pênis-pensantes.
No Reino das Mulheres-Bruxas, imperfeita filha, porém, surgiu. A que se atreveu a olhar os olhos daquele que a cobriu, a que se atreveu a gozar com o gozo daquele que a montou. Atreveu-se a olhar e viu. Atreveu-se a ouvir e escutou. Já não era ele mero alimento para a carne. Tremeu a Deusa, quando reconheceu a beleza daquele macho. Tremeu, quando se viu a preferir deitar-se sob ele em detrimento de quantos outros havia. Era belo. E pensava, e dizia coisas bonitas, apesar da sua animalesca natureza imperfeita. Era belo e trazia na face um belo par de olhos quase verdes, limpos, olhos-convite, olhos de mansidão e mistério, olhos que sorriem. De finos traços, exibia um aristocrático nariz, longo, delicadamente esculpido na correta proporção. Era suave e bela a curva da ponta de seu nariz, era quase a curva mais bela do seu corpo, tanto quanto a suave curva do seu membro a apontar para o rígido e riscado abdômen.
A mais bela curva, no entanto, não era a do nariz ou a do pênis ereto. Eram deliciosamente redondas e rijas suas nádegas, conferindo-lhe agradável aparência quando, despido, caminhava. Naquela curva derrapou a Deusa, perdeu-se. Era a mais bela curva daquele corpo, na qual valia a pena pender para o abismo. Desejou para si aquela carne, aqueles olhos, a arrogância daquele nariz, a indecência daquele pênis a tocar o céu. Apalpou-lhe as nádegas, sentindo a maciez daquela pele, beijou-lhe os olhos e o nariz, chupou-lhe o sexo. Rendeu-se, ciente da sua nova e vulnerável condição de amante.
Aos poetas, aos cronistas e aos frequentadores dos botecos sujos juntou-se a Mulher, sucedânea de Michelângelo, ao descobrir a beleza das desconhecidas curvas dos corpos masculinos. Concebeu-se Davi.