A barata!

A barata!

Há muito tempo resolvi a encrenca do meu medo existencial. Não precisei de Psicanálise. Não tenho medo de barata!

Sexta feira, primeiro dia de trabalho de peão fazendeiro fim de semana, é exaustante. Apartar gado, conferir contagem, olhar parição, curar umbigo, correr de vaca nerole, medicar abortagem, benzer porcos, contar carneiros, avaliar volumes de agua de bebedouros, repassar cochos de sal, orientar maternidade de pitinhos... é um deus nos acuda.

Não fica só nisso, depois disso tudo, retocar a cerca da grota, lá onde a onça frequenta e o peão precavido, talvez medroso, não vai sozinho... precisa da companhia do patrão final de semana, que não tem medo de onça, imagina de barata!

Patrão, peão final de semana, chega o fim de tarde exausto, quer só jantar, deitar e dormir.

É o que faço.

Deito.

Ai permito meus pensamentos perambularem, por onde quiserem, pois pensamentos não tem cerca, censura, vagueiam como animais indomados

Vão e vem...

E no embalo dos pensamentos vagabundos cochilo, quase durmo, mas como não confio absolutamente nos pensamentos vagabundos, ainda que adormecido, continuo vigilante, o suficiente para sentir um ligeiro formigar no pé esquerdo, subindo a canela, um arranhar no joelho e ao chegar à coxa dispara o gatilho existencial, um tapa, um pulo, estou de pé, acendendo a luz a tempo de ver ela, a barata, tentando escapulir por entre o meu lençol, dou-lhe um, dois tapãos, ela cai no chão, trôpega, evadindo, fugindo, mas eu, impiedoso, esmago no chão, mais uma vez, sem precisar de Psicanálise, mas só de uma chinela Havaianas, a representante do meu medo existencial... a barata!

Joao dos Santos Leite
Enviado por Joao dos Santos Leite em 13/10/2021
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