6 - Comportamento dos Bichos de Aço

Há muito tempo penso em escrever sobre este tema.

Houve um período na minha vida em que pude atuar muito como observador na selva de asfalto.

Vamos brincar de biologia. Ponha a imaginação em prática e enxergue um bosque ondem vivem dois grupos de pássaros: os pombos e os falcões. Poderia ser um grupo de veados e outro de leões, o raciocínio continua válido.

Está implícito: falcões são predadores dos pombos, leões são predadores dos veados. Pronto, o cenário está montado.

Escolha um número inicial de predadores e outro número para as presas, contando que não haja tanta discrepância. Pronto, vamos dar play no jogo.

Estando os pombos em maior número em comparação aos falcões, concluímos que existe muita comida para estes. E assim será, até que a comida comece a faltar. Reduzido o número de pombos, os falcões terão maior dificuldade em obter alimento. Com essa escassez, ficarão fracos e começarão a morrer. Morrendo mais falcões, os pombos ficarão felizes com sua liberdade e seus filhotes começarão a aparecer com mais frequência. Com a taxa de natalidade crescente, a comida dos falcões volta à fase de fartura e o ciclo se fecha, ad aeternum.

O contrário também se verifica, começando o jogo com mais falcões do que pombos, desde que a diferença não seja esmagadora.

Agora vamos mexer com os bichos de aço, com quatro patas de borracha, rugindo e soltando fumaça na selva de asfalto das grandes cidades.

Quem já teve a experiência de dirigir nestes lugares, vai logo reconhecer o bicho que anda devagar, dá lugar aos outros e não faz movimentos bruscos. Vai reconhecer, também, o bicho que corre, entra sem aviso na frente de seus pares, empurrando, sem pedir licença.

Tudo corre muito bem na selva de asfalto quando há um número de faixas fixo durante o trajeto. A selva se incendeia é quando há estrangulamentos e faixas exclusivas para transporte público: exclusivas, mas sem barreiras para as demais faixas.

Pois é ali, onde deveriam correr somente os ônibus, que os falcões, se julgando espertos, gostam de passar, acelerando e enfiando-se onde não são bem vindos, só para tentar fugir dos radares. Então voltam logo à faixa exclusiva.

Nos estrangulamentos acontece algo semelhante: os pombos evitam as faixas que vão desaparecer logo à frente. Estas ficam livres. Ficando livres, os falcões aceleram por elas e se embicam onde seu senso de oportunidade lhes indicar, contanto que seja à frente dos outros. Como se metem onde não foram chamados, os demais pombos – que já estavam na faixa recém invadida – tem de desacelerar, o que atrapalha o tráfego daí para trás. Atrapalhando o tráfego, mais falcões aparecem para preencher as faixas ainda vazias que os pombos preferem não utilizar. Mais falcões nas faixas faz com que estas também se esgotem.

Passado um tempo neste equilíbrio, a situação se normaliza e o ciclo recomeça.

O interessante nos dois casos é o que vou expor logo após a informação a seguir.

As faixas exclusivas de ônibus, neste caso, possuem radares espaçados entre si e capazes de multar veículos de passeio, deixando isentos os ônibus a elas destinadas.

As faixas que se fundem à faixa vizinha tem sinalização antecipada, avisando claramente que haverá estrangulamento à frente.

Os falcões são os predadores justamente por fazerem uso dos relaxamentos presentes no sistema e nos pombos. Os radares são bem espaçados entre si, talvez 1 ou 2 quilômetros. Os pombos não estão suficientemente preocupados ou em vigília sobre seu entorno. A sinalização de estrangulamento acontece bem antes do ponto, também entre 1 e 2 quilômetros de distância.

Não por descuido, mas por economia e restrições normativas, as cidades permitem que os falcões atuem de forma esporádica, mantendo um equilíbrio entre presa e predador, igualzinho o que aconteceu lá no nosso bosque imaginário. Isso se mantém sob a condição de o equilíbrio não destruir o sistema.

No caso das faixas exclusivas para ônibus, se não houvessem radares distribuídos regularmente, os falcões lotariam as faixas e estas perderiam sua função de priorizar o transporte coletivo. Com os radares, ônibus e carros de passeio mal educados – não se pode resolver todos os problemas do mundo – podem conviver pacificamente.

Já no caso de faixas que se fundem, não há uma intenção de mantê-las vazias no plano diretor. Elas só ficam mais vazias por existirem pessoas que preferem evitar o estresse de chegar lá na frente e ter que furar a fila dos outros passantes. O mesmo se vale para faixas de retorno.

O equilíbrio é atingido na selva biológica pela Lei da Oferta e Demanda e pela Teoria dos Jogos. Já na selva de asfalto, aço e borracha, o equilíbrio também assim é obtido, mas é muito influenciado pelos fatores educação, gentileza e consciência social – coisas que os animais não podem ter como nós, humanos, temos: ou deveríamos ter.