A GAROTA DE XANGAI
A noite era de céu estrelado. Iluminado, com focos finos iluminecentes das estrelas, que passavam através das folhas do pinheiro, carregadas do sereno daquele início de madrugada.
A luz amarela do poste, mostrava ao longe uma figura mediana, em pé a margem da rua. Aproximei-me cauteloso, e testemunhei o que a estética é capaz. Um ser deslumbrante, portando uma bolsa pequena, azul marinho. Vestido curto carmesim, colado ao corpo e salto alto. Era a Garota de Xangai.
Os carros e motos passavam buzinando forte. Vez ou outra, ouvia-se da janela dos automóveis berrarem impropérios a aquela criatura. Alguém querendo monstrar uma certa macheza, ou algum vício enrustido. Ela simplesmente com sorriso nos lábios, ignorava.
A garota sabia que tudo aquilo não passava de meras aparências. Porque curiosamente esses que reverberavam palavras ofencivas, expressando ódio, intolerância e preconceito, eram os mesmos que mais tarde vinham buscar favores libidinosos. Acreditem, disse ela: -São eles, os pais das crianças que dormem cedo, das donzelas de família, das esposas da igreja e das madames do shopping. Aparecem por aqui, depois que as janelas se fecham, e quando as luzes se apagam!
A Garota de Xangai, como era conhecida, todas as noites prestava plantão na Rua Augusta. Já tinha visto de tudo ali naquele lugar. Tudo o que não se faz a luz do dia, e tudo o que é proíbido na lei dos bons costumes. -Na noite da grande de cidade: os gatos são ratos, e cachorros, lobisomem. Certamente, a perpiscassia e o modo de lidar com o perigo a fez fria como um gelo, e calma como uma coruja.
Contrastivamente, a poucos metros dali, no MASP, quadros valiosos nas galerias, mostrava o requinte e luxo das artes plásticas. E naquele instante, enquanto eu escrevia num caderninho, fui interrompido quando ela exclamou, com o braço esticado, apontando em direção a vidraça do museu: "-Um objeto tratado como gente; e uma gente tratada como objeto." Tal era a referência entre ela e a obra de arte que aparecia reluzente, próxima a vitrine do prédio.
Eu, engasgado com tamanha realidade, perdi o raciocínio. Atrapalhei-me na compostura. Sem saber o que escrever, fechei o caderninho, pus no bolso e fui embora envergonhado. E certo por descobrir: o que para uns, é prazer e alegria; para outros, é tristeza, dor e sofrimento.
Lá adiante, ainda deu para ouvi - la dizer: - A dignidade tem algum valor? Depois disso, engoli seco e continuei andando!
Carlos Alberto Barbosa.