Sem caça às bruxas no Recanto
No início da década de 90 a EPTV Ribeirão, afiliada da Rede Globo aqui em Ribeirão Preto, começou a veicular um comercial de uma conhecida rede de supermercados local. A propaganda era protagonizada, de forma muito amadora, por uma menina de presumíveis nove anos de idade, o que deixou a peça publicitária uma chatice só.
Ora, na época ninguém entendeu como aquela menina insossa e inexperiente diante das câmeras fora escolhida para fazer um comercial para uma rede de supermercados. O mistério fora finalmente desvendado quando em entrevista a uma rádio local de grande audiência, o publicitário responsável pela campanha do supermercado revelou que a participação da garota na propaganda fora uma exigência do dono da empresa.
Sem citar diretamente o nome da rede de supermercados, e nem precisava, o publicitário explicou que a protagonista do comercial era a filha do dono daquela rede de supermercados. No fim das contas o objetivo da peça publicitária não era alavancar as vendas da empresa. O mais importante, nas palavras do próprio empresário, era que sua filha estava feliz, pois na escola todos comentavam que a viam na tevê. O que valeu foi ver a sua filha com a popularidade em alta entre os colegas e parentes.
Fazendo uma analogia com o nosso meio, nem todos os que escrevem no Recanto das Letras possuem a ambição de serem exímios poetas, cronistas, contistas, ensaístas etc. Entre nós, escritores profissionais, semiprofissionais ou entusiastas das letras, existem aqueles que, independentemente de sua classe social, escrevem para si mesmos como uma espécie de hobby ou ainda como forma de terapia.
Alguns gostam de escrever sobre como amam sua família ou sobre suas experiências profissionais e afetivas, enquanto outros preferem interagir com outros autores a fim de fazerem novas amizades.
Seja qual for o motivo que leva uma pessoa a publicar neste ou em outros sites, não nos cabe agir feito implacáveis inquisidores, donos da virtude literária absoluta, perseguindo, censurando e condenando obras e seus respectivos autores, mormente quando a própria administração do site não vê motivos para tal caça às bruxas. Desde que respeitem as regras, cada um tem o seu espaço garantido.
Sou pelo respeito, pela tolerância e pela liberdade. Ora, como professor de língua portuguesa, acho útil dar dicas gramaticais, contudo, não censuro ninguém por escrever um texto inteiro em caixa alta ou por não querer andar rigorosamente dentro da norma culta da língua. Quem escreve errado mesmo tendo conhecimento sobre a norma culta, o faz por escolha própria e, portanto, tal escolha tem de ser respeitada. Eu mesmo faço esta escolha às vezes, especialmente em diálogos, para parecer algo mais natural.
Um poeta ou escritor em verdade não é rico nem pobre, não é preto, branco, pardo, amarelo ou estrangeiro. Não é banqueiro, dono de estabelecimento comercial, dono de jornal, hospital etc. Somos apenas seres humanos expressando ideias, sentimentos e necessidades nossas ou alheias.
Dentro da coerência, do respeito e da tolerância mútua, sejamos livres na alma para escrever, sem nos esquecermos, no entanto, de que toda liberdade conquistada deve vir acompanhada pelo acréscimo proporcional da responsabilidade pessoal.
Vamos todos escrever em paz, meus amigos.