JORNAIS ABSORVENTES

Se não fossem eles ali nas caçambas, no amontoado de lixo, da rua treze, próximos a praça da República, aqueles jornais impressos das notícias passadas; cheios das letras pequenas e grandes; dos textos longos, vejo as fotos da reportagem noticiando o homem, a mulher, -- a criancinha que de bruços, deitada ao chão de terra batida, dentro do casebre em Paraisópolis, que facilmente conta-se uma a uma as costelinhas debaixo da pele pálida naquele corpinho frágil de ser vivente em miséria -- que recolhem ossos na caixa mal cheirosa do supermercado; pondo em fervura para roer.

Essas folhas dos jornais já manchadas de tantas coisas mais ruins, do que boas; limpo-as da poeira, dos detritos. Agasalho-as cuidadosamente dentro da sacola de plástico higenizada, ponho-aĺs em minha caixa de papelão. Levanto-a em meu ombro, e sigo caminhando os trinta quilômetros de volta para casa.

Lá chegando, vou desarrumá-la, abrir os jornais e estendê-los ao sol a pino, em cima da grande folha de flandre quente para eliminar as impurezas. Na semana que vem, a Damares não poderá faltar as aulas. --São essas folhas da "providência" que absorvem a fluidez vermelha dos dias em cada mês, de minha cria adolescente.

As abastadas, de condições em grau mais alto, as de fina estampa, escolhem qual "marca" melhor usar. Minha cria não: apenas usa as folhas de jornais bem dobradas para não machucar; para não incomodar tando como incomodo-me em vê-la reclamar. Reclamar dos absorventes improvisados, feitos das folhas dos jornais recolhidos no lixo.

Com as lágrimas de menina e a vida a enfrentar, ela, a "Dama," a minha cria, entende a situação. Mas não se conforma a essa realidade! Entendida como quem aprende na escola, Damares raciocina em voz alta dizendo:

-- O conhecimento é aquele quando sabemos dizer "Não senhor". Quando somos diferentes numa multidão que acha que está tudo certo. Os jornais que uso todos os meses entre as pernas; consciêntizam-me a olhar com cuidado e humanidade os oprimidos para não odiá-los, e não dividir a sociedade em castas. Necessitando-se a todo instante do "novopensar"!

--Quando ela fala assim, sigo essa jornada!

--Lembrei! Antes de seguir o caminho de casa, preciso retornar o quarteirão, e ficar aguardando duas horas na fila em frente ao açougue, e tentar pegar uma sacola de ossos e levar comigo!

Carlos A. Barbosa.

Carlos Alberto Barbosa
Enviado por Carlos Alberto Barbosa em 10/10/2021
Reeditado em 11/10/2021
Código do texto: T7360840
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