COMPRADORES DE GALINHAS


Está fazendo um frio nesta noite...
Apagadas as luzes, apenas a luminosidade do monitor a projetar-me feito uma imagem ilusória - assustadora - contra a parede.
[ Sinto um quase medo de mim rsrs... ]
Era num sábado de frio feito este, perdido na distância do tempo , que ouvi meus primos confidenciando:
-Vamos comprar galinhas nos "Fabrícios" ?
Num auto convite, me propus juntar-me à comitiva.
A resposta veio curta, grossa e objetiva.
-Você não aguenta a viagem, piá de bosta.
Insisti tanto que os ganhei no papo. Um saco plástico me foi fornecido e devidamente dobrado vestiu-me feito capa de chuva, tal e qual, a vestimenta dos primos mais velhos.
Saímos a caminho dos "Fabrícios", pisando lama, escorregando e vez e outra estatelando-se no chão feito saco de batatas.
Era longe demais e confesso que me arrependi no meio do caminho,mas não quis dar demonstração e de nariz empinado acompanhei a comitiva.
Trigais a perder-se de vista, alguns capões de mato, muito raramente uma e outra propriedade entranhada entre arvoredos,delatada pela fumaça de chaminés.
Chuvinha fria e insistente...
[ Nada dos...Fabrícios ]
Apurava-se o passo e pouca era a chance de chegar-se aos ditos vendedores de galinha.
Um dos primos sugeriu que tomássemos outro rumo o que faria com que chegássemos mais rápido ao endereço.
Mato, mato e mais mato...
Um pássaro estranho em trinados e as araucárias estendendo seus braços franzinos arpejavam ao vento uma canção tristonha.
De repente um riacho, uma ponte em ruínas...
Cruzamos.
Alguém disse: oba ! Estamos próximos.
[ Não era bem o que parecia ]
Uma ladeira escorregadia, algumas cigarras chiando triste, e os restos de uma porteira deitada entre o matagal abrindo um caminho que levava do nada a lugar algum.
Embrenhados no feno molhado caminhamos um pouco mais.
De repente, feito um oásis, uma casinhola à distância.
-É lá !... É a casa dos Fabrícios !...Eu não falei ?
Proferiu em tom de gabolice o meu primo mais velho.
Fomos nos aproximando...
Janelinhas rotas espiavam alguns pés de couve e , deitadas no assoalho de uma pequena varanda, duas cabras - mortas de solidão - mascavam as ervas de suas mesmices.
Sequer um cachorro vadio para nos dar as boas vindas.
Apenas um rádio esgoelando-se no interior da casa.
Um pé de chuchu um galinheiro e sobre o telhado do mesmo um galo. Calado, emudecido,parecia cheio de tudo.
Apoiada numa bengalinha, a idosa de olhos de céu, nos acolheu com ares de receio.
Foi aos poucos percebendo que nossas presenças eram do bem.
-Sra. Fabrício, viemos comprar galinhas, proferiu um dos integrantes da comitiva.
A velhinha sorriu.Um sorriso banguela ainda que iluminado.
-Sra. Fabrício ! Ora vejam só. Nunca ouvi falar nesta gente.
Sou a viuva Petroskowka. Moro sozinha e não quero me desfazer do casal de galinhas que tenho.
-Ih !...Danou-se. Disse um dos primos ,entre dentes.
-Pelo jeito vieram de longe piazada.Acho que erraram o endereço. Proferiu a viúva Petroskowka.
[ Uma vez mais o sorriso banguela e aqueles olhos de céu iluminando a tarde carrancuda, num sorriso meio debochado ]
Para compensar o cansaço da viagem, vou lhes servir um chá de maçanilha com bolo de fubá que acabei de fazer.
Aceitam ?
Os olhos, quase fora de órbita, falaram por nós.
Ao redor da mesa nos fartamos daquelas iguarias. Vez e outra olhávamos pela janela e a serra à distância dava recados destas solidões que não se explicam.
Um delicado véu de neblina escorregava entre o verde, deixando o topo a descoberto.
Com os estômagos devidamente "forrados", agradecemos a hospitalidade tomando o caminho de volta.
A velhinha e as duas cabras nos seguiram com os olhos até que o matagal nos absorvesse.
Em casa, relatamos a façanha ao meu tio que foi também curto, grosso e objetivo:
Os "Fabrícios" moram a léguas daqui e no sentido contrário.Vocês sãos uns bobos kkkk.
-Bobos alegres ! adicionou titia.
-E cheirando a cachorro molhado, arrematou minha prima.
Nada respondemos.Em nossas bocas ainda bailava o sabor das sementes de funcho do bolo de fubá.
-"Fabrícios"...Ora vejam kkkk