DETESTO DIADEMAS
Quando eu tinha oito anos, na "aurora da minha vida", diadema era o que hoje mais comumente se chama tiara, passadeira. Possuir um diadema era um dos meus desejos infantis. Não seria comum, mas um cheio de pedrinhas refulgentes. Por causa dele, as outras meninas me invejariam. Aproveito para incluir que, por causa desse diadema, as minhas vizinhas e colegas me olhariam de soslaio. Sempre achei de soslaio um conjunto sonoro maravilhoso. Achava bonito alguém dizer: Ela me olhou de soslaio.
Sim, e ainda estavam entre os sonhos das crianças, bicicletas, bonecas grandes que falavam e andavam, pianos Hering e mobílias completas pois as meninas treinavam para o casamento. Cresci me perguntando o que casar tinha a ver com cozinhar além da rima.
As madrinhas eram as escolhidas para nos dar os presentes mais caros. Pobres e ricos só escolhem madrinhas que deem sombra e frutos. A minha, por exemplo, era podre de rica, proprietária de imóveis em Copacabana, entre outros bens. Estava para chegar a milionária criatura.
O vestido do dia (não a camisola) era de prometi azul celeste com belotinhas brancas. Os sapatos estilo princesa, também brancos como as delicadíssimas meias. Para encimar esse bolo, um laço de fita cor-de-rosa contrastando com os volumosos e românticos cachos. Tinha um laçarote na parte traseira da cintura. No braço, uma pulseira de bolinhas em ouro vinte e dois que pertenceu a avó da avó da avó da avó. O aparato se completou com um pouco de Água de Colônia Regina.
Deus te abençoe. Venha cá. Dê um abraço e um beijo de sua dinda. Recebeu minha cartinha? Está estudando muito? Notas boas? Está dando gosto à sua mãe?
Tudo sim. E olho fixo no presente. Esperei pacientemente o clímax. O pacote era pequeno, mas lindo. A madrinha continuou suas obrigações sociais, de etiqueta e formalidade. Até hoje fico em dúvida se aquele perfume da pele de minha madrinha lembrava jasmins, missas ou enterros. Ou se tudo junto.
Sente aqui. Você está uma menina muito bonita. Precisa só engordar um pouquinho. Que vestido de princesa! Quem fez o vestido, Maria? Foi Termutes?
Olhei alternadamente para a mãe, para a madrinha, para o pacote. Talvez ela já desconfiasse do meu olhar teimoso sobre a embalagem das ilusões. Então, deve ter aproveitado para testar seu sadismo. Puxou conversa. Sobre famílias, sobre o irmão _ escritor renomado, sobre santos e milagres, padres, bispos, arcebispos, incluindo Dom Hélder Câmara e o Papa. Conversou mais: sobre Aracaju, os políticos e suas obras. A tarde acabou. Emendou na noite. Prataria, porcelana, lustres iluminando o chazinho com biscoitinho e outros temas.
Às dezoito horas, todos reunidos rezaram o terço oferecido ao Sagrado Coração de Maria. Os sinos da Catedral acompanhavam, cúmplices burgueses. E eu dura no vestido, pernas cruzadas, carinha de anjo genérico, bem comportada como me foi recomendado várias vezes antes de sair de casa.
As pedras do diadema caíam na minha imaginação cansada da perfídia adulta. Finalmente, depois de todas as recomendações, saudades e abraços arquitetados: Tome sua lembrancinha. Trouxe do Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa.
Trauma psicológico existe, e como dói. Abri a embalagem. De lá de dentro escorregou, leve e desequilibrando-se, um reles diadema plástico, azul, com ridículas margaridinhas brancas. Combinaria com o meu vestido e ficaria bem mesmo num anjo morto. Nunca mais consegui usar tiaras .
17/0602006