AMIGOS URSOS
AMIGOS URSOS
Durante a minha infância, acompanhada por meus pais, frequentei regularmente o Jardim Zoológico do Rio de Janeiro. Embora ficasse extasiada com a beleza dos animais, meu coração doía quando os imaginava livres como eu.
Mesmo aqueles nascidos em cativeiro guardavam no olhar a nostalgia de um tempo ausente nas suas vidas.
Mais tarde, passei a visitar o Jardim todo sábado porque minha escola ficava próxima. Tanta assiduidade tornou-me conhecida dos tratadores e vigias. Gostava de conversar com eles. Eles me contavam das manias de certos bichos.
Havia um macaquinho que só comia amendoim descascado. Tinha que ser amendoim natural e sem aquela “pelinha vermelha”. Fora cativo de uma família. Sua dona morreu e eles o doaram ao Zoológico. Por isso era muito dengoso. Eu levava escondido amendoim para ele, que ficava me olhando ansioso, aguardando o fim da operação “limpa amendoim”. Tudo pronto, ele pegava um a um da minha mão e os comia feliz, mas de costas. Parecia magoado pela rejeição sofrida. Devia sentir saudades da “sua dona”.
Nunca foi permitido alimentar os animais, porém quando o Verão inclemente fervia, eu comprava picolés de limão e os escondia na bolsa.
Você imagina cinco ursos numa jaula, sem grades. Era uma casa baixa e pequena construída em alvenaria numa espécie de ilhota, portanto, cercada pela água depositada no entorno fundo que funcionava como piscina, limitado por um muro, o que impedia qualquer aproximação. Ali, eles ficavam expostos num calor infernal.
Disfarçando para não ser pega no “crime”, preocupada com o sorvete derretendo, cuidadosamente eu livrava cada um da embalagem e atirava o mais próximo deles possível. Era uma festa.
Às vezes, um pedaço caía na água. Rapidamente alguém mergulhava e dentro do fosso mesmo, nadando ou boiando, saboreava o presente olhando pra mim. Parecia zombar da minha pontaria.
Quando um guarda se aproximava, eu era obrigada a interromper “a farra”.
O incrível é que meus ursos percebiam a dificuldade da situação e também disfarçavam, se dispersando.
Logo que me livrava do “problema”- o guarda- eu retornava e reiniciava a ação.
Acho que os vigilantes sabiam porque demoravam a voltar, porém nunca facilitaram “meu trabalho”.
Meus “amigos peludos” gravaram minha imagem e com seu faro privilegiado, mesmo dormindo sentiam a minha presença.
Muitas vezes o calor infernal os derrubava. Deitavam e ficavam inertes. Aí, eu chegava. Desembrulhava os picolés dentro da bolsa para evitar que os guardas vissem e aí um urso, o Grandão, mexia o nariz, “tomando faro”, ainda deitado e de olhos fechados e lentamente se movia pela “ilha” posicionando-se na beirada.
Era lindo vê-lo acordar e de pé, sacudindo o corpo, abrir os enormes braços até a altura dos ombros, e, batendo palmas executar uma dança divertida. Os outros, então, se erguiam e de pé exibiam a mesma coreografia. Pronto! Eu começava a atirar o picolé, sabor limão sempre, aos pedaços, sem o pauzinho para que não sofressem engasgos.
Era uma festa!
Para finalizar, era eu quem fazia a sua coreografia e eles felizes a repetiam numa orgia de movimentos.
O tratador deles, quando nos surpreendia, ria muito da cena.
- Eles reconhecem quem ama os animais, dizia sempre.
Eu concordava.
Era tão pouco. E era tanto pra nós.
da Costa