O aprendizado do mundo
Muitas pessoas escolhem — quando podem escolher — viver ou trabalhar em cidades do interior. Uns dizem que o interior é conservador, outros dizem que é calmo e pacato. Um pouco de cada coisa, mas com suas complexidades e especificidades. As semelhanças e as diferenças dependem da região, assim como dos bairros nas próprias cidades. As cidades nunca são iguais, nem homogêneas — social e geograficamente falando.
Passei a minha infância no interior, com todos os seus ritos, seus costumes e limitações. O ritmo mais lento da cidade me permitiu crescer atento às conversas dos adultos, curioso quanto às mudanças do tempo e da vegetação, convivendo com animais de todo tipo, com espaços amplos… Na verdade, eu tinha vontade de aprender alguma coisa com os mais velhos, eu queria ser como eles: sabido, forte e independente, como os idealizava na minha meninice. Queria ler jornal sentado numa grande e confortável cadeira na varanda, dirigir automóveis, ir a festas sem horário para voltar pra casa, dormir tarde da noite sem dar satisfação pra ninguém. Achava que a vida que importava se resumia a isso, o resto era supérfluo.
No mais, tinha de frequentar a escola, e não se discutia. Tinha hora para dormir, e não podia desobedecer. Tinha hora para fazer as refeições, para escovar os dentes, para fazer as tarefas escolares e ajudar a manter limpa a casa, isto é, nada de muita bagunça. Sem saudosismo! Não sou daqueles que acham o passado melhor ou pior do que o presente. Se querem saber, minha preocupação é o futuro.
Aprender as coisas da vida em contato direto com a realidade era tão ou mais importante do que aprender os conteúdos oferecidos na escola. Somente anos mais tarde eu consegui estabelecer uma ligação entre as duas coisas. O aprendizado cotidiano envolvia escutar, observar o mundo, prestar atenção ao movimento. Sim, tudo se movia, se transformava — umas coisas mais rapidamente, outras mais lentamente. Parecia que algumas nunca mudavam, como os biscoitos deliciosos que minha tia fazia, o conservadorismo dos mais velhos, o autoritarismo predominante na escola e a sisudez dos governantes nos anos 1960 e 1970 — como eles eram antipáticos!
Certas coisas só serviam para atrapalhar nossas brincadeiras e nosso desejo por liberdade e autonomia. Algumas se referiam à política, como a obrigação de desfilar no Sete de Setembro, outras se referiam às chuvas. Quanto às determinações arcaicas, só com leitura, debates, peças de teatro e filmes para melhorar nossa compreensão dos fatos. Quanto às chuvas, elas vinham e não tínhamos muito o que fazer: ficávamos em casa ou nos molhávamos. Como era bom brincar na chuva! Melhor a água fria sobre nossas cabeças do que um cassetete, um grito, uma ameaça… Olhar o céu, observar a fumaça das chaminés, a teia das aranhas era imprescindível. Olhar crítico! Até hoje, me pego olhando o horizonte: vai chover?