O Natal Paraense
O mês de outubro carrega certa magia. Belém em outubro é poesia para quem sabe ler. As duas primeiras semanas do mês são de expectativa. O chamado Natal Paraense aproxima as famílias novamente, principalmente as religiosas. Embora seja uma festa católica, é a festa dos prazeres e dos sentidos.
Também é uma festa contraditória, pois ao mesmo tempo em que se compram as camisas estampadas com a Santa e o seu manto escolhido, compram-se também grades de cerveja para a bebedeira depois da procissão.
A festa dos sentidos começa pegando todos pelo estômago. O que dizer das comidas típicas? Nas feiras, respira-se o cheiro da maniva pré-cozida, para facilitar a vida, pois a maniçoba leva sete dias para ficar pronta. Mas confesso, prefiro a maniçoba cozida lenta e pacientemente por uma semana. Nos seis primeiros dias, Deus criou o mundo e no sétimo deliciou-se com o que tinha criado. A paciência é necessária desde que o mundo é mundo, mas essa não é a única lição ensinada pela maniçoba. Ela é verde escura e é feia, mas salivo só de pensar no gosto delicioso. A beleza não é importante. Ela não é "importada", não vai para dentro do corpo, o que vai é o gosto. E o cheiro, também, Icoaraci fica cheirando a maniçoba nas duas primeiras semanas do mês.
Outro prato típico também é o Pato no tucupi. Não necessariamente o Pato, mas qualquer ave no caldo do tucupi fica uma delícia, a acidez do caldo amarelo com a dormência causada pelo jambu na boca é um ritual para quem se rende! Isso mostra um aspecto importante da festa para pessoas que como eu, não bebem. Como disse, é uma festa dos prazeres e por que não falar dos excessos? Todos adoram lambuzar-se com a maniçoba dada pelos vizinhos ou trocadas por iguarias, pois sim, fazemos uma espécie de festa de ação de graças no Natal Paraense. O que faz pastores protestantes protestarem (perdão pelo trocadilho) contra as comidas amaldiçoadas oferecidas à ídolos de madeira. "Vocês vão querer ir ao inferno por causa de um prato de maniçoba?" Ouvi certa vez. Preferi não falar que inferno é não ter o que comer para não ser expulsa do culto de doutrina.
Voltando aos sentidos, outro estimulado é o visual. A imagem da Santa, composta por luzes piscantes no canal da Doca de Souza Franco remete ao Natal. Passar por lá à noite faz qualquer pessoa render-se à majestade do sagrado feminino ilustrado bem em frente às águas barrentas da Baía do Guarajá. A procissão, então, nem se fale... A berlinda, levando a estátua que, dizem, foi encontrada na beira de um rio, "faz sonhar os preguiçosos". Enfeitada de flores, é seguida por pessoas à pé, de joelhos, em motocicletas, em bicicletas, carros... e o barulho das buzinas é algo que hipnotiza. Sempre ouço aqui onde moro. Além disso, as canções (as quais aprendi por exposição e osmose) remetem muito às cantigas de Natal.
Está chegando. Mas não sei porque escrevi esse texto. É uma missão impossível ensinar Círio ou descrever Círio. É uma experiência cinestésica, precisa ser sentida de corpo inteiro.