Dona Damiana - BVIW
Quando vi o tema deste encontro lembrei-me de dona Damiana, minha avó materna, que no dia 29/09 resolveu partir desse trem chamado mundo para a estação da calmaria. Foram 100 anos nessa malha ferroviária, um século de histórias. Eram tantas! A matriarca da família Silva era dona de uma personalidade poderosa, um simples olhar de canto traduzia até mandarim. De uma lucidez exuberante, pisar macio e vocalização de passarinho. Sua estrutura frágil era enganadora, pois não conhecia limites. Nada conseguia detê-la, obstinada e disposta a desbravar esse mundão de meu Deus, carregava nas mãos as contas de Nossa Senhora, o terço. Era seu bilhete para a estação celestial, e a sua fé, a própria rocha de Gibraltar, inabalável. Aqueles olhos contemplaram paisagens únicas e inesquecíveis, não tem como revelar e compartilhar. Foram momentos íntimos e particulares, sem testemunha ocular. A velha Damina não mendigava atenção, acolhia os viajantes descarrilados pelo caminho, e o coração entreaberto guardava agridoce recordação. Dona Damiana deixou um legado rico de filhos, netos e bisnetos, seus bens mais valiosos. Uma fortuna incalculável, sentimental. Ela deixou ensinamentos que valem mais que o tesouro nacional, bolsa de valores ou jazidas minerais. Partiu deixando a certeza do dever cumprido, amor plantado, perdão semeado e união para colher. Esse trem carregado de incertezas levou minha vó para o destino de todos os mortais, daqui a um tempo irei visitá-la, mas enquanto isso ficarei no vagão da saudade viajando no tempo, revivendo sentimentos de neta e avó.