JUVENAL E POLICARPO
A fazenda estava passando por uma revolta. Tudo porque Juvenal e Policarpo não se entendiam mais. A velha amizade de antes, ficou desgastada por causa das atitudes contrárias aos costumes da manada.
O cavalo Juvenal começou a espalhar mentiras, negar suas responsabilidades como representante do rebanho, e invertar desculpas para justificar seus erros.
As fazendas ao redor ficaram em alerta, porque concomitantemente chegou por lá uma doença desconhecida: dor de barriga aguda. E os gados acometidos por ela, tinham morte quase que instantânea. O medo tomava conta daquele lugar!
O cavalo que dava coice em todos que o questionassem; que espalhava medo ao gado; destilava também, ódio por onde passava.
O burro Policarpo, ao contrário, calejado na vida, era malandro, e menos desastroso. Sabia conversar, convencer e persuadir. Qualidade que deixava Juvenal enfurecido!
O quadrúpede Juvenal, que havia ganhado a alcunha de "mito," por ter prometido agir somente dentro da ética e da moral, passou a ser chamado de "mico."Tornou-se motivo de piada para todos.
Irado, o cavalo ficou, quando apareceu numa cerimônia com os olhos corroídos, vermelhos como groselha, porque a feição dele, causava risos ao rebanho.
Aconteceu que: antes, ele negava veementemente, que se fosse apanhado pela tal doença, iria tomar apenas soro, por acreditar que seria o suficiente para obter a cura.
Porém, quando o quadrúpede se viu em apuros, mandou comprar o pó branco na farmácia, o mesmo que a fazenda Proborum ministrava na cura de seu rebanho.
O remédio ácido, precisava ser diluído em água morna, e ingerindo via oral. Sem saber como usar, Juvenal resolveu aplicar direto no local do ferimento.
Abriu o pacote de plástico, derramou o pó num pires. Mirando com o olho direito na ferida, nas laterais do orifício retal.
E já na iminência de colocar a substância, naquela úlcera provocada pela constante evacuação, sintomas da dor de barriga aguda. Não conseguiu segurar o vento preso no intestino. Com o sopro forte provocado pelos gases, deixou o remédio cair nos olhos.
Imediatamente, a retina azulada, transformou-se num vermelho groselha, corroendo a beira dos olhos deixando-os em carne viva.
Daquele dia em diante, descobriu-se toda fanfarronice do Juvenal, o mitômano. - O que se faz escondido, sempre vem a tona pelas circunstâncias que a verdade nos impõe!
E contrapondo a lógica da racionalidade dos humanos, Policarpo, em seu instinto de burro, exclamou:
- Uso a literatura para falar através de códigos. Aposso-me do som que sai da boca dos humanos, querendo ser um. Para assim exclamar minha insatisfação!
E ele continuou dizendo:
-Os humanos são animais domesticáveis, adestrados e superiores. Por vezes, agem como as mais cruéis das criaturas. Tornado-os, as piores espécies: irracionais.
-Reconheço que sou um burro, quadrúpede que zurra, mas o que causa medo, não é esse poder que eles têm de falar, de escrever. E sim a tentativa constante de abafar a voz dos inocentes.
Nessa reflexão do burro, fiquei mudo. Ouvindo o silêncio externo. Recolhido, para entender o barulho da alma.
E hoje, nos dias que sucedem, o ancião Policarpo, mudou-se. Mora em outro lugar, na fazenda Sensatus.
Já o Juneval, acovardou-se. Anda cercado por seguranças. Na fazenda Geno e Cida, onde é endeusado, o gado, os apoiadores do cavalo, continuam crentes, fiéis. E acometidos por outra doença: a mental.
Carlos A. Barbosa.
In: Século XXI; Outubro 2021.