A Sharia
O sonho espatifou, tornou-se pó. Empoeirados, nos escombros da escola; arrasada pela explosão.
Sentado ao lado do Abinauh, meu amigo da escola. Na imaginação, juntos estamos; atentos a explicação da professora Nassir. Resignados e em fuga no pensamento; ignorando o monte dos detritos das paredes destruidas: --Somos o que restou! Somente dois sujeitos em sementes no árido, rochoso solo afegão. Forcejando a germinar no chão pedregoso, ensopado do carmesim das doces vidas, inocentes. Estamos...
A força bruta, dos homens em arma em punho, afugentou as criaturas. E elas correram indo a galope rumo ao esconderijo; em desespero, atiraram-se para dentro do pássaro de ferro voador, espremidos na multidão. Foram embora, sem saber quando voltar, e se; voltar.
Ao raiar do sol ao fim da tarde, estamos nós, aqui sentados, em nossa imaginação, assistindo a aula. Sentimos fome, sede e medo. Vez ou outra, o Abi, como carinhosamente eu o chamo, olha em meu rosto, e eu não deixo transparecer a ilusão. -- Que na verdade; é ele, a minha rocha, e não o contrário! Se não fosse esse amigo, em desespero, jorgar-me-ia de cima do viaduto, próximo a praça de Cabul.
Com essa resistência, recordo-me da explicação da professora Nassir, nas aulas de História; ao dizer-nos: "A arma que não serve para a proteção da causa justa; é apenas o instrumento do horror. E somente serve, para preencher a incompleta virilidade natural do homem pueril; e revelar os instintos, como o do leão conspirador."
Dentro da minha cabeça, inquieta, no relento, com as ruínas ao meu redor, pensando comigo mesmo; para não assustar meu amigo Abinauh, questionei-me internamente: --O que é a justiça? Eu não sei.
Óh, dê-me a voz porque morri ficando vivo! Os tais guerreiros, os "fariseus" da sharia, roubaram minha liberdade. Crinosos são eles. Ôh, "justiça cega", por que teimas em se apossar da pele parda afegã, escravisar, matar, expulsar? Eu não sei. Meu raciocínio ainda incompleto, é incapaz de responder!
Aqui sentados, onde era a nossa escola, sonhando acordados, esquecemos o que somos. Imersos em pensamentos, não ouvimos os gritos horripilantes da multidão desesperada, porque imaginamos a professora Nassir Abidulah contar histórias. -- Assim, esquecemos o que somos!
Carlos A. Barbosa.
In: "Mundo Moderno". Ásia, Afeganistão. Agosto de 2021; Século, XXI.