Para Ângela, com amor
Nem sei se é tristeza ou melancolia, não quero ficar triste e a dor do luto, não desejo, quero só a dor mais leve aceitação e da conformidade. Preciso, ainda, que a saudade seja breve. Num dia destes meio sem cor aproveitei para chorar, mas só alguns milímetros, tudo para não incomodar o sono dela, ainda deve estar dormindo. As cenas vão passando muito rápidas, as mordidas de quando éramos pequenas, nunca esqueço das casinhas, panelinhas e das roupinhas de boneca, jamais. Depois, na adolescência, nas festas, até na mesma escola estudamos, por muita sorte, as irmãs nos botaram nos eixos. Ela era mil em ciências, química e matemática, eu, um verdadeiro desgosto nas exatas. Ela caiu para a Enfermagem e Direito e eu para a Comunicação. Nos "findes", noitadas tagarelando sem parar, ouvindo a melhor música, os primeiros passos na literatura, na MPB, nos bares de Porto Alegre, mil vezes diferentes do que são hoje, meu Deus, quanta bronca em casa. Discoteca, jamais, gaúchas fanáticas e brasileiras ao extremo, éramos bagunceiras, mas com limites. Nos achávamos adultas ouvindo Lupi, Túlio Piva, Loma, Plauto Cruz e outros grandes da música urbana de Porto Alegre. Saíamos em turma sem nenhum medo, a noite não assustava, mas em casa era sempre a Terceira Guerra. Nos afastamos quando casamos, escolhemos morenos bonitos e muito legais. Ela teve um bebê. Depois a maluca se embretou na Amazônia, foi implantar Escolas de Enfermagem, correr de jacarés e sucuris, se besuntar de copaíba e andiroba, foi levar um pouco do Rio Grande para a floresta. Era o lugar dela, indígenas, quilombolas, comunidades carentes, com suas riquezas culturais. Ângela era a mata, o rio, a índia com o sol no riso. Mesmo separadas geograficamente, nunca nos separamos. Custei, mas achei um defeito nela, torcia para o Inter. Agora, parece que fiquei um pouco mais sozinha aqui neste mundão, mas guardo dela o humor, as filôs, a sabedoria, as palhaçadas. Ângela, minha querida, cabe aqui minha gratidão por todas as vezes que seguraste a minha mão.
A tarde continua sem nenhum azul, está desbotada como eu, daí te vejo num sorriso tímido, por enquanto, sei que se tornará pleno quando te juntares aos Soares, que já estão nos pagos do céu.
Esta prima querida, antes de partir, pediu para ser doada à Medicina da UFRGS, para estudos. Minha querida, espiritualizada, honrosa, prima amiga, irmã de sempre, de todas as épocas, de muitas vidas.
Que te abrace o teu Grande Arquiteto do Universo Este mesmo que te soprou a vida.