CAFÉ PARIS, NITERÓI, ANOS 1920
OS “PARISIENSES” E O MAR II
Nelson Marzullo Tangerini
Prosseguindo em nossos “descobrimentos”, neste vasto oceano das letras, navegaremos um pouco mais com a publicação de sonetos de mais dois “parisienses” que escreveram sobre o mar.
Leiamos o soneto “Espumas”, de Augusto Mouzinho, com suas marítimas aliterações:
“Sinto no peito o regougar dos mares...
O imenso arqueio das ondas formidandas,
Como se fossem glaucas velas pandas
Que, lúbricas, se alterassem pelos ares...
Sinto no peito os vagalhões aos pares,
Entre cadências, compassadas, brandas,
Num ribombo brutal sobre as varandas
Da minha´alma de dores seculares.
Sinto no peito, após, uma por uma,
Vastas esteiras – rastros longos, brancos...
Redes abertas – esteirais de espuma...
É assim o amor! Um mar sobre a amurada
De noss´alma entre abalos e entre arrancos:
Vagas... espumas... e, depois... mais nada!”
De Sylvio Figueiredo trazemos “Nos dias de verão”, que nos faz lembrar do poema “Adormecida”, de Castro Alves, e “O arrastão”, que fala sobre o tranquilo bairro de Jurububa, ainda hoje uma tranquila vila de pescadores. O lugar é também caminho para o Forte de Santa Cruz, que tem ampla vista para o mar.
“NOS DIAS DE VERÃO
Nos dias de verão vestes fina roupagem
Toda feita de renda e feita de cambraia
E sob o varandim, buscando ansiosa a aragem,
Ficas a ver o sol que, flamíneo, desmaia.
Num lânguido torpor fitas a branca praia
E o amplo Mar, de uma vela a refletir a imagem;
E sonhas, silenciosa, e uma flor que caia
Jamais te arrancará dessa linda miragem.
Adormeces, tranquila, a fronte sob um braço
E um sorriso fugaz, que não há quem compreenda,
Brinca sobre o teu lábio, em que impera o cansaço.
Dormitas, afinal, sob a formosa tenda;
E por causa, talvez, do incômodo mormaço,
Vejo o teu seio arfar sob a espuma da renda!”
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“O ARRASTÃO
Em Jurububa, ao poente. O pescador sem ruído,
Das muralhas negras e fatais estende a meia
Circunferência que pouco a pouco cerceia
O espaço e traz à terra o pescado aturdido.
Gaivotas grasnam no alto, a prelibar a ceia.
O mar golfa na praia e espuma, com um grande gemido,
Como um velho cavalo exausto e combalido
Que visse se atirar para morrer, na areia.
E enquanto à superfície acendem-se áureos lumes
Como esteira sem fim de dourados cardumes,
Inquieta e coruscante – obra pura do sol –
Do fundo o pescador suas redes arrebata
Peixes argênteos, toda a submergida prata,
Toda a carga talvez de um galeão espanhol”.
Sobre Augusto Mouzinho, sabemos apenas que, segundo Lourenço de Araújo, frequentador do Café Paris, o poeta fazia parte da Roda Literária “parisiense”. Era de Niterói, onde viveu e veio a falecer.
Sylvio Figueiredo, jornalista, tradutor e poeta, nasceu a 19 de março de 1891, em Niterói, onde veio a falecer, a 24 de novembro de 1972.
Em 1913, Figueiredo “escreveu um precioso livro de parceria com o célebre ‘parisiense’ Luiz Leitão. Trata-se de Sonetos, publicado pela Livraria Editora Jacintho Silva, do Rio de Janeiro. O livro é composto de 40 sonetos, sendo 20 de autoria de Figueiredo e os outros 20, de Leitão. Foram utilizados versos decassílabos e alexandrinos, de temática ora líricas, ora satíricas”.
Publicou ainda “Contos que a vida escreve” (1931), “Quixote” (Sátira, 1934), “Atlantes” (Versos, 1943), Sonetos (Separata da Revista da Academia Fluminense de Letras, 1954), “Forja” (Versos, 1962), e “Passos na areia” (Crônicas, 1962).
Trabalhou, também, na extinta revista O Cruzeiro, onde publicou crônicas e contos.
Sobre esta crônica, recorri às informações contidas no livro “Os poetas satíricos do Café Paris, Coleção Introdução aos clássicos fluminenses”, Organização e apresentação de Luiz Antonio Barros, publicado pela Editora Nitpress, Niterói, RJ, 2014.