A Marca da Generosidade!

Naquela época eu ostentava já, com muito orgulho, os meus treze anos de idade. Lembro-me muito bem, embora muitos anos já tenham se passado, porque eu havia celebrado o meu Bar Mitzvah e estava iniciando a minha vida adulta.

Nenhum menino em Israel esquece a cerimônia do seu próprio Bar Mitzvah, pois é a partir dela, na companhia e, literalmente, aos pés do rabino da localidade onde vive, que a criança se dedica a aprender sobre a história do seu povo, religião, cerimônias, língua hebraica, os ensinamentos da Torá, direitos e deveres, lealdade, justiça, direitos humanos e muitos outros temas que a preparam para a vida adulta.

Para os meninos, a cerimônia se chama Bar Mitzvah e para as meninas é Bat Mitzvah, cada qual com as suas peculiaridades.

Estávamos no início da primavera, no mês de Abibe. Era a estação das primeiras chuvas que trazia consigo a beleza da abertura das flores e o reverdecimento das campinas com a renovação da relva verde que se tornava abundante para os inúmeros rebanhos de ovelhas que se viam por toda parte.

Eu residia próximo a Betsaida, uma das cidades importantes à margem do Mar da Galileia e, naquele dia em especial eu soube que o Nazareno estaria passando por nossa região. Ele sempre vinha acompanhado de uma grande multidão, pois a sua fama como Mestre das multidões já era bastante conhecida, principalmente por causa dos milagres que ele vinha realizando a ponto de devolver a vista aos cegos, curar os enfermos da temível lepra, além de muitos outros sinais que o tornavam uma pessoa  especial.

Naquela manhã falei com minha mãe, pois o meu pai já estava fora de casa, no trabalho, pedindo-lhe permissão para conhecer o Nazareno acompanhando as pessoas que o seguiam. Ela permitiu e me disse para ser precavido, sem esquecer do horário de voltar para casa. Arrumei as minhas coisas que, aliás não eram muitas, apenas um pequeno lanche para me alimentar caso me demorasse além do recomendado e parti, tão logo vi a multidão aglomerada em torno do Mestre.

Tudo era novidade para mim e eu queria ficar bem junto dele para não perder nada do que ele viesse a ensinar. E foi aí que eu conheci o André, um dos seus discípulos mais próximos. Eram vários, mas o André me chamou a atenção porque ele se comunicava com todos, e com muita facilidade. Ele procurou saber se eu era daquela região e, percebendo que eu estava sozinho, ficou ao meu lado o tempo todo.

Enquanto acompanhava o André com os olhos, quem sabe para recorrer a ele caso eu precisasse de alguma coisa, também prestava muita atenção ao que Jesus estava ensinando. Tudo que ele falava dizia respeito ao Reino de Deus e aquilo me chamava a atenção, pois percebi que ele dizia à multidão que o Reino de Deus era diferente do reino que todos conhecíamos. Na verdade, tudo o que eu conhecia de reino referia-se a Herodes e a sua maneira perversa e sanguinária de governar a Galileia, ou do reino dos romanos que eram usurpadores da nossa terra e extremamente cruéis com todos os seus opositores.

Pelo menos era isso que os Rabinos ensinavam sobre política, direitos e deveres, além de inculcar na mente dos meninos que jamais deveríamos nos sujeitar ao domínio dos conquistadores romanos. Nós éramos os legítimos proprietários da Terra de Israel, e não eles, os romanos!

O tempo passou com uma rapidez incrível. De repente eu percebi que já deveria estar de volta para casa, pois já era tarde, e foi quando ouvi Jesus dizer para outro dos seus discípulos de nome Filipe que seria importante comprar pão para alimentar a multidão. Não entendi muito bem a conversa dos dois, mas pareceu-me que Filipe não via nenhuma condição de comprar alimento para toda aquela gente.

Foi quando o meu novo amigo, o André, se aproximou de Jesus e, olhando na minha direção disse alguma coisa para o Mestre como que afirmando alguma coisa. Em seguida, ele veio até mim enquanto os outros discípulos faziam com que a multidão se assentasse em grupos pequenos e separados uns dos outros.

Ao se aproximar de mim, o André perguntou se eu poderia dividir o meu lanche com eles. Sem entender muito bem o que estava para acontecer, eu entreguei nas mãos dele tudo o que havia na minha bolsa; eram apenas cinco pães de cevada e dois pequenos peixes. O André pegou-os e levou-os para Jesus e, claro que eu fui junto pois não queria perder o meu lanche de vista.

Incrível! Acho que nem mesmo os antigos magos do Egito teriam feito o que eu estava presenciando naquele momento. Jesus abençoou os pães e peixes, e ordenou que os seus discípulos os repartissem com as pessoas que já estavam assentadas. Eu vi, ninguém me contou, quando o próprio André pegou um pequeno cesto, colocou diante de Jesus e este, por sua vez colocou dentro do cesto os meus pães e peixes (pelo menos eu achava que eram os meus) e o discípulo foi servir ao grupo mais próximo de onde eu estava.

Foi extraordinário! Os pães e peixes pareciam nunca terminar. Não sei como aconteceu, mas ACONTECEU. Ali, bem na minha frente, os meus cinco pães de cevada e os meus dois peixes foram suficientes para alimentar aquela multidão de pelo menos cinco mil homens, sem contar as mulheres e crianças e, no final, foram recolhidos ainda doze cestos de pães e peixes.

Hoje eu posso confessar. Naquela tarde eu fiquei tão extasiado com o acontecimento, que perdi até a fome. Isso nunca havia acontecido na minha cidade. Quantas lições preciosas para a minha vida eu aprendi naquele dia!

Por exemplo, aprendi que aquilo que eu tenho em minhas mãos, ainda que muito pouco, sempre pode ser compartilhado com outras pessoas. Em seus ensinamentos, Jesus disse que podemos confiar no Pai Celestial para o suprimento das nossas necessidades, pois Ele sabe quais são e quantas são essas necessidades.

Aprendi naquela tarde, que ninguém possui tão pouco a ponto de não poder compartilhar com o próximo o pouco que se tem em mãos. A isto damos o nome de GENEROSIDADE.

Aprendi também com André a ser um bom observador, pois se ele não tivesse ficado ao meu lado conversando comigo para que eu não me sentisse sozinho, ele jamais saberia que eu tinha um lanche, e que aquele pequeno lanche poderia vir a ser a solução para alimentar toda aquela multidão.

Outra lição riquíssima que aprendi foi a de sacrificar o meu próprio bem-estar firmado no egoismo, em função da ajuda que eu pude oferecer para todas aquelas pessoas que se encontravam à minha volta.

Mas, o que ficou realmente marcado em meu coração e que se transformou em um traço do meu caráter, foi ver a tranquilidade e a confiança de Jesus diante da enorme necessidade de alimentar com o que parecia ser muito pouco, tão grande multidão. Hoje eu entendo que Ele sabia muito bem o que estava para fazer, mas cada vez que penso nisso o meu coração experimenta grande paz, pois assim como Ele fez com a multidão, Ele continua fazendo por mim no meu dia-a-dia.

Lembro-me de um dos Salmos recitados em nossa sinagoga e que fez parte dos ensinamentos que recebi enquanto me preparava para o meu Bar Mitzvah. Assim está escrito:

"Agrada-te do SENHOR, e ele satisfará os desejos do teu coração. Entrega o teu caminho ao SENHOR, confia nele, e o mais ele fará."

Permita-me dizer uma última coisa antes de encerrar essas minhas memórias?

Poucos dias antes de ser crucificado, Jesus teria dito aos seus discípulos o que a Torá sempre disse, que em nossa sociedade nunca deixariam de existir pessoas pobres e necessitadas.

Talvez a grande lição  para mim e também para você, hoje, é que devemos ter o coração sempre aberto e pronto para ajudar as pessoas que se encontram ao nosso redor confiando que, com a bênção do Senhor nós podemos, individual ou coletivamente, abençoar multidões de pessoas carentes e necessitadas não apenas do pão físico para saciar-lhes a fome, mas carentes de amor e cuidado que podemos lhes oferecer em meio a um mundo tão cruel e tão insensível à dor do nosso próximo.

Ao ler esse texto, pense, reflita e decida fazer algo respondendo à seguinte questão: de que forma eu poderia ajudar alguém, hoje?

Deus te abençoe!

Pr. Oniel Prado

Primavera de 2021

26/09/2021

Brasília, DF

Oniel Prado
Enviado por Oniel Prado em 27/09/2021
Reeditado em 25/10/2021
Código do texto: T7351593
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