Esse mar é meu... Misericórdia!!!!!!

A primavera ainda vai um pouco longe e as figuras do verão já fazem ninho na minha cabeça. É impossível não lembrar das ocorrências que nos perseguem nos dias “aprazíveis” do litoral gaúcho, como sempre, vão do trágico ao hilário. Falando nisto, já dou de mão no meu hinário, para treinar o “Segura a mão de Deus e vai, criatura!”, sempre é preciso. Nem sei se vamos este ano, a droga da pandemia impõe certo respeito, para não dizer, cagaço, e o “corongo vírus” já deve estar de malas prontas para pegar uma praia. No ap. tá complicado de ir, devido a escadaria e meu chefe está impossibilitado. Minha vista da Serra do Mar já foi pra o espaço, mas tudo bem, de cara, já levamos este primeiro pranchaço, a vida quis. Temos a opção do hotel, claro que cheio de gente sem noção e, certamente, sem álcool em gel em profusão. Bem estranho, maiô com máscara, no mínimo bizarro. Me digam, quem vai apelar para álcool em gel quando pode se atolar na areia, nas piscinas xixizadas e nos elevadores onde sempre cabe mais um? Casa de parentes? nem pensar, embora muito alegres, odeio tirar a privacidade dos donos da casa. Nem falei na orla, ainda, mas é doloroso demais, sempre tem um cachorro desconhecido que se engrudunha embaixo da minha cadeira. Alugar uma pequena casa, isto é interessante, mas os preços devem estar lá em cima, parece que os proprietários se esqueceram que estamos numa crise infernal, que os padrões de vida caíram, proprietários vivem num reino de fantasia. Mas os argentinos não devem vir, com suas gritarias e lixo espalhado pelas praias, já é um consolo. Aí, então, se descortina a paisagem marítima, nenhuma árvore, se não é o guarda-sol para nos acudir, é insolação na certa. Por meia hora ficamos nos besuntando de filtro solar e, do nada, parece que a areia combina com o vento e se agarra na gente, é o tal efeito bife à milaneza. Sol com nordestão é de fazer um triste se enfiar na areia e não sair mais, aqui come-se muita areia. Recorde aqui nas nossas praias é levar-se muito guarda-sol na cabeça, o vento é tanto que o troço desatarraxa da mesa, geralmente nos momentos mais inusitados como num bate-papo, ou quando estamos distraídos, ou ao levar-se um copo à boca, ou quando vamos comer o primeiro camarãozinho da estação. Voam cadeiras, também. Camarão com areia é muito interessante, nunca se sabe onde entra a farinha de rosca, ele desce travando. Mas tudo bem, são dias de diversão e alegria, até que se veja o pano do garçon, por que insistem em botar o cretino do pano no ombro, perto da orelha, do cabelo? Odeio aquele pano do inferno, o pano vai por tudo, na mesa, nas cadeiras, já vi o infeliz do pano secando copos e depois voltando para o ombro. Odeio panos de garçons. Um dia, em Itapema, linda com seus esgotos gritando a olhos vistos, vi o garçon – cheio das mesuras – secar um banco onde um bebê tinha feito xixi. Depois da secação, o desalmado passou o pano na mesa. Este tipo de coisa nunca me sai da cabeça, pode passar mil anos. Mas sobre o nosso mar do RS é meio enlouquecido e desnorteado. Geralmente perdem as crianças na praia e fica a gritaria e a dúvida se o inocente entrou no mar ou está vagando, sem destino, pelas areias que torram o pé de qualquer cristão. Mas o pequerrucho está geralmente passeando (feliz e contente longe da família), curtindo a liberdade. Muitos são encontrados fazendo bolinhos de areia, ao lado do guarda-sol da parentaia, que, além de desesperada, já deve estar afogada no cachaçal. Meia dúzia da mulherada já desmaiou, mães, avós, tias, vizinhas invasivas, mas sempre aparece alguém com o vinagre para passar nas que ainda continuam desmaiadas. Tenho um lance estranho, sempre fico de olho no garçon e no pano do “demu”, quero olhar o mar e, quando me toco, tô catando o garçon. Mas sobre o mar...de uns tempos para cá resolveu ficar esverdeado, saiu do marrom básico, é que a petro passou a cuidar mais, nem carregamos petróleo nos pés (só saía com Bombril). Os buracos estão sempre lá, se cair num, é o Jesus me chama, sem dó nem piedade. Escapando dos buracos imprevisíveis, temos o repuxo, este é malvadão mesmo, a gente não quer ir e ele puxa para dentro, não solta o vivente nem a pau. Nesta hora, cai bem o “Mãezinha do céu”, a plenos pulmões, mas é complicado cantar e se afogar. É aí que cai o maiô, os calções, biquínis, cai tudo e o inferno do repuxo, firmão, não libera. Misericórdia! só um ótimo salva-vidas para acudir. Nos dias mais calmos, até entramos no mar (sempre rezando, a reza forte faz parte da estética do verão gaúcho), a água está bem calminha, mas o espumão marrom detona todo o encanto, entra por todo lado e se agarra. De repente, não mais que de repente, me sai uma onda atravessada – que não se sabe de onde – e nos atira longe, nem a Fadinha ficaria na vertical, difícil se manter de pé, fácil demais, pagar mico. É bem pitoresco, depois do resgate dos maiôs, do levantamento dos calções, notamos que comemos colheradas de areia e engolimos muita água salgada. Assim vamos levando nossos verões, enfrentando a freeway engarrafada, tomando sol na cuia, caindo em buracos, sendo tragados por repuxos. Não falei dos tubarões que andaram aparecendo...Mas é isto, com todos os percalços, ainda amamos o nosso Rio Grande e seu mar piridoido.

Maria letra e cor
Enviado por Maria letra e cor em 24/09/2021
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