Templo Budista

Minha namorada ficou responsável pelo passeio de domingo. Ela, como toda mulher, resolveu me levar a um lugar disruptivo, para tentar transformar minha alma: um templo budista em Cotia/SP. Um programa diferente, num domingo, seria interessante para um sujeito tão urbano. No caso, eu. Isso não poderia conturbar mais meu já caótico sincretismo religioso. Afinal, para quem, na hora do desespero, apelava até para Tupã, deuses pagãos, ídolos de pedra, fenômenos naturais, Mitologias (Nórdica, Romana e Grega) e venerava um bezerro de ouro, não seria uma heresia, nem caso de excomunhão, adorar, por um dia, um gordinho risonho com poderes sobrenaturais. Por que não? Fomos ao templo.

O ônibus partiria do bairro da Liberdade, bem cedo. Do público que participaria dessa excursão, fora uns hipsters que frequentam qualquer religião oriental “modinha”, os mais novos deviam ter uns 60 anos.

O Templo de Cotia é ideal para meditar, encontrar a paz e alcançar a luz. Certo? Errado, pelo menos para mim.

Entramos em uma sala ampla. Todos permaneceram em absoluto silêncio. Cada um de nós possuía um tipo de caixa de madeira, na qual fazíamos os movimentos e guardávamos nossos pertences. Dali, todos saíram em silêncio, seguindo em fila, para uma outra sala e etapa da oração. Demonstrando o que pode ter sido interpretado, com razão, a apego material, lutei com a caixa de madeira para reaver minha mochila. Eu sei que nem o local, nem o clima eram ideais para tal demonstração possessiva, mas além de monges, o templo estava coalhado de turistas.

Todos seguiram, inclusive minha namorada, para continuar o misterioso ritual. Eu fiquei brigando com a mística caixa, tentando capturar minha valiosa mochila. Em toda a operação, fui observado por uns três monges, com expressões de reprovação. Eles devem compreender que para um turista, como eu, ir naquele lugar era como ir ao museu ou a uma exposição qualquer.

Recuperada a sacola, para passar o tempo, caminhei pelos jardins, corredores e outros cômodos do Templo. Pensei que eu fosse encontrar o mestre, aprenderia um mantra poderosíssimo e alcançaria, em tempo recorde, o nirvana e a iluminação. Minha namorada já me encontraria careca, falando mansamente, usando uma vestimenta feita com panos marrons e laranjas e cheirando a incenso. Mas não foi assim. O que consegui foram só algumas boas fotos. Quando o povo foi libertado, mostrei as fotografias, fingindo vantagem em ter ficado para trás. Acho que colou.

De noite, algum budista fanático deve ter “conversado” com algum mestre, em penitência por ter ofendido os mandamentos sagrados. Para um budista, que não tira a vida nem de um inseto, querer assassinar uma pessoa (no caso, eu) é motivo de autossacrifício ou expiação eterna.

Foi um dia de aprendizado, cheguei à conclusão que não consigo sequer tentar fazer a posição de lótus, não me ligo em incenso e nirvana é uma banda de rock.

RRRafael
Enviado por RRRafael em 24/09/2021
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