O Canalha

“Arthur, você tem alguma opinião sobre aniversários?”

“Ah, Alexandre. Você sabe muito bem o quanto eu gosto da comemoração. A presença dos amigos, a decoração, a música e a comida; tudo isso alegra a alma. Além disso, como poderia esquecer da melhor parte? O bolo de aniversário! Você não acha mágico o sacro momento de apagar as velas?”

“Sim... meu amigo, eu tenho demasiado apreço nesse momento. Chega a ser irônico, o instante que a chama da vida é apagada por um mero sopro, o modo que as pessoas ficam eufóricas aplaudindo, gritando e celebrando o prenúncio da morte. Isso tudo de alguma forma me deixa extasiado.”

“Por favor, não vamos começar com esse tipo de assunto. Toda vez que conversamos sobre qualquer coisa sempre terminamos na mesma questão.”

“Arthur, você sabe que dia é hoje?”

“Sim... é dez de setembro. Por que a pergunta?”

“Muito além disso meu caro, hoje é o dia do enigma mais importante da humanidade, hoje é o dia do suicídio.”

“Não comece Alexandre, por favor...”

“Toda vez que essa data se aproxima, eu tenho o mesmo sentimento do dia do meu aniversário. Reflito nesta difícil decisão; a comemoração deve ser consumada assoprando a fraca chama da minha vida? Ou devo permanecer observando as lágrimas de cera escorrendo pela vela?”

“Eu estou preocupado com você, não é sadio dizer essas coisas.”

“Você se considera um homem sadio?”

“Claro que sim! Tenho o perfeito equilíbrio da minha vida.”

“Era isso o que eu desejava ouvir, preciso conversar com pessoas sadias. Como Camus diria: ʽtodos os homens sadios já pensaram no seu próprio suicídioʼ. Você já arquitetou o final da sua tragédia? Como é dito dos gregos, a tragédia é o presente do cosmos para a humanidade.”

“Chega! O que você quer de mim?”

“Só quero uma simples resposta, para uma pergunta ainda mais simples. Depois disso, eu irei embora.”

“Você sempre volta... Pois bem, então diga!”

“Arthur... O que é a vida?”

“Por que você sempre me faz esse tipo de questionamento? Não entendo que diferença isso faz para você.”

“Arthur... O que é a vida?”

“Tudo bem, vou entrar no seu jogo. Para mim a vida é o deleite das coisas que você gosta, o desfrutar de bons momentos, a busca de seus sonhos e, acima de tudo, compartilhá-los com quem você ama.”

“Arthur... O que é a vida?”

“Uma condição de existência com consciência no qual o indivíduo nasce, cresce, vive e morre.”

“Arthur... O que é a vida?”

“Na verdade... eu não sei... Às vezes, sinto como se estivesse numa peça trágica. Talvez eu seja um ator dessa companhia. Mas eu tenho algumas reclamações, pois a trama sempre muda e não há aviso prévio. Sou obrigado a atuar no improviso por diversas vezes. O show tem hora para começar, entretanto o seu término é segredo. O salário não é fixo... a única garantia é que não existem garantias.”

“Arthur... O que é a vida?”

“O questionamento a todo instante se o salário pago vale realmente apena, se ele é bom o suficiente para compensar todos débitos... A vida é uma escolha. Podemos aceitar o salário ou sair dessa peça. Acrescento ainda uma alternativa mais louca, isto é, permanecer nessa empresa pela beleza do mistério, com a humilde esperança de algum dia desvenda-lo.”

“Sim... muito bem. Finalmente você começou a chegar onde eu queria. Obrigado pela paciência meu amigo. Para a despedida, só quero te dizer mais uma última coisa. Arthur... O que é a vida?!”

“Alexandre... você é um homem de grande sordidez.”

“Eu sei, eu sou um canalha... eu sou o canalha!”