O Homem que Virava Cachorro
Tempos medonhos, do qual sou testemunha auricular, vivenciamos em Jampruca, nos cafundós de Minas, nas décadas de cinquenta e sessenta. Digo auricular, pois as coisas aconteciam e ninguém via, pois se fossem oculares, as vidas estariam em risco.
Um, em especial, depois de mandar alguém comer capim pela raiz, diziam que se transformava em cachorro. Não era de ficar andando pelas ruas durante o dia. Estava sempre na penumbra. Seu meio de transporte preferido era o cavalo, quase sempre roubado ou a bicicleta. Podia transformar-se, também em gato, um toco de árvore e há quem afirme, convicto, tê-lo visto se transformar em um gavião, depois de esfaquear mais um. Ainda hoje fico arrepiado com a frieza desse jagunço, mantido por políticos e por alguns fazendeiros da época. Seu Álvaro era protegido por forças ocultas, só agora percebo, não estas de virar coisas.
Seu Álvaro aparecia assim de repente, do nada. Quando precisava de carne, ia a um pasto, matava um boi, pegava o que precisava e pronto. Precisava de cavalo, pegava de alguém. Ninguém via. Mas à boca pequena diziam que após a morte do sargento Antonio (irmão do Coronel Pedro), um cachorro foi visto nas imediações, adentrando-se pela mata.
Seu Álvaro, como todo bom cristão, precisava batizar o filho. Precisava de um padrinho digno. Alguém de credibilidade no distrito, pois nessa época Jampruca não era emancipada. Convidou um senhor de respeito, católico praticante, que vou declinar o nome, pois sei que tem filhos vivos e talvez não gostem de ver o nome do pai envolvido nisso. Quando seu Álvaro o convidou, esse senhor de respeito atendeu ao pedido imediatamente. Tentou aparentar calma, mas dizem, quase borrou as calças.
E quem não borraria? Quem se negaria atender ao pedido de um assassino contumaz?