ALICE
Nasceu lá na Universidade, debaixo de um prédio, na terra úmida e insalubre, junto com seus irmãos. A mãe de pouca saúde, não tinha muito a oferecer.
Graças aos vigilantes da Universidade e dos voluntários do Projeto que cuidam dos cães que vivem no local ou que lá são abandonados pelo desprezo humano, essa cadelinha tinha ração ou comida para se alimentar, pois esses seres de bom coração nunca deixaram esses animaizinhos passarem fome.
No entanto, o campus é um lugar cheio de mato e diversos tipos de animais peçonhentos que acabam por tornar o lugar perigoso de se morar. Sem falar que as chuvas em excesso, deixam a vida ainda mais complicada no lugar.
E apesar de nem todos os irmãos conseguirem sobreviver, Alice aguentou firme e conseguiu passar daquela fase, ficando pronta para começar sua jornada sozinha.
Alice não conseguiu se incluir em nenhuma matilha, então arranjou seu próprio canto na vasta universidade e por muitas vezes precisou brigar e correr para não apanhar das matilhas que a rejeitavam.
Enfim, o tempo passou e Alice foi crescendo, não de forma linda e deslumbrante, mas, magra e sem muitos nutrientes, já que pela insalubridade do local, as doenças das mais diversas surgem e vão se espalhando como erva daninha no lugar.
O seu olhar sempre triste e sem esperanças, a fazia se questionar sobre o fato de sua vida realmente valer a pena. Afinal, aquilo era realmente viver? Não conhecia nada melhor, mas, será que não existia?
E assim, ela continuava a viver naquele lugar, aonde tinha comida que lhe davam. Mas, a comida às vezes não era suficiente e acabava por ir ao lixo, fuçar por coisas diferentes, não compreendendo que aqueles depósitos de refugo, apesar de parecerem muitas vezes apetitosos e diferentes, não tinham coisas boas para eles.
Ela vivia em uma tristeza sem igual e muito solitária.
Por muitas vezes também, foi agredida com vassouras ou outros objetos por pessoas que queriam lhe espantar e não tinha o menor amor por animais.
Pois apesar de existirem muitas pessoas de bom coração que tentam dar uma vida mais digna para esses animais, já que não é possível encontrar lar para todos, o fato é que tem seres humanos desprezíveis que não tem amor nem pelos seus semelhantes, imagina pelos pobres animais que vivem ao léu.
Com o tempo, muitas marcas das pancadas ficaram como cicatrizes de guerra que ela levaria para sempre no seu melancólico semblante. Marcas perenes.
Como faz parte da vida, um dia ela entrou no cio foi cercada por cães e violada por tantos. Aquele sofrimento sem igual, e ninguém para lhe ajudar, a tornavam ainda mais infeliz. A primeira barrigada, ela nem lembra direito, mas, os filhotes não sobreviveram.
O tempo passou, ainda não tinha nem dois anos, quando novamente ficou prenha, e daquela gravidez vieram cinco belos filhotes, os quais ela teve debaixo de um prédio úmido e cheio de mato, correndo o perigo de serem atacados por cobras e outros animais peçonhentos.
Durante o dia, ela saía em busca de alimento para poder dar de mamar aos seus filhotes, pois apesar dos voluntários sempre tentarem trazer o máximo de alimento possível para que ela possa suprir as suas necessidades, o fato de ter que amamentar aumenta por demais a fome insaciável dessas mãezinhas.
Porém, a mesma parecia estar doente e a cada dia que se passava ela emagrecia mais e se tornava mais debilitada, apesar da ração e comida que lhe era dada, o local e tudo mais não ajudavam a ela e seus filhotes.
Os voluntários do projeto que cuidavam dos cães da Universidade, notaram que aquela cadela não estava bem e não tinha alimento bastante para nutrir seus bebezinhos. Desta forma, pediram para que alguém pudesse dar um lar temporário para aquele animal, com o intuito de que fosse a um veterinário para saber se a mesma estava com algum problema de saúde e também ter um lugar mais digno para aqueles filhotes crescerem e terem uma chance de vida melhor que a pobre mãezinha, e em um futuro próximo serem contemplados com um lar digno.
Logo surgiu um casal que se prontificou a cuidar dela, e foi feito o exame de sangue e constatado que a mesma tinha a doença do carrapato e precisava com urgência de tratamento.
Um grupo se formou e capturaram os filhotes e depois foram tentar pegar a Alice. Ela se debateu um pouco para não ir, pois o seu medo era muito grande, mas vendo que os seus filhotes já estavam no automóvel, ela aceitou se juntar a eles para cuidar dos mesmos como uma mãe de grande coração.
Ao chegar na casa do casal de voluntários, Alice não queria colocar a coleira, afinal estava com medo e nunca havia usado uma. Ela ficou lá, no chão da garagem e chorava sem entender direito o que estava acontecendo.
As pessoas lhe davam petiscos e até pedaços de frango para a convencerem a se levantar e entrar para ficar com os filhotes que já se encontravam alojados, mas ela estava tão apavorada que os seus olhinhos se enchiam de lágrimas.
Por fim, o homem a pegou nos braços, vendo que ela não o morderia e a levou para dentro.
Pela primeira vez na vida, ela tinha sido trancafiada para poder fazer o seu tratamento e cuidar de seus filhos em um lugar salubre.
No entanto, por não compreender todas aquelas mudanças, ela sempre tentava escapar. Sempre dava um jeito de abrir o portão, pular, pois ela não entendia o que estava acontecendo e porque estava limitada naquele espaço.
Foram dias de muito trabalho, mas a família conseguiu cuidar dela e dos filhotes e todos cresceram saudáveis.
Entre os fatos interessantes no tempo em que a cadela ficou limitada aquele espaço, também era interessante ver que toda vez que alguém pegava um rodo ou uma vassoura para usar, o animal se desesperava, mostrando que algum dia, já havia sofrido com aqueles instrumentos por obra de alguém sem sentimentos e coração.
Logo os filhotes ficaram prontos para a adoção e todos ganharam um lar. E com o fim do tratamento de Alice, ela foi colocada no carro e levada de volta para a sua casa na Universidade.
Primeiramente, ela foi levada ao abrigo, mas os muros do lugar não a seguraram. Alice sempre foi ótima em escalar. Ela consegue subir alturas que nem imaginamos e de forma bem rápida e ágil, talvez tenha aprendido quando era obrigada a fugir dos perigos que enfrentava no seu dia a dia. E para ela não correr perigo de ser encontrada pelas matilhas que ficavam próximo ao abrigo e atacada, o casal resolveu deixá-la aonde ela costumava ficar.
Ao chegar no antigo prédio que ela vivera, o casal se despediu e lhe desejou felicidades. Alice chorou, agarrou-se nas pernas do homem e implorava para ele não a deixar, mas, não tinham muitas opções, porque o casal já tinha muitos cães em casa e não sabiam se ela se adaptaria a eles, já que o tempo em que ficou lá, estava presa separadamente, mas para viver de vez, teria que conviver com os outros cães. Sendo assim, com o coração na mão, eles a abraçaram, a deixaram ela lá e saíram no carro. Foram embora, enquanto a olhavam parada próxima ao seu antigo lar.
Quando o casal chegou em casa, recebeu uma ligação do abrigo da Universidade, informando que Alice tinha retornado para perto do abrigo e estava fazendo muita confusão por lá e até havia tentado morder uma voluntária do abrigo.
O casal imediatamente retornou ao local e ao chegarem ao abrigo não a encontraram. A mulher ficou preocupada que Alice tivesse fugido da Universidade e ido para a rua, aonde corria o risco de ser atropelada, já que nunca vivera fora daquele lugar.
E foi então, que a mulher gritou pelo nome de Alice e para a sua surpresa, a cadela surgiu do nada e pulou de alegria em cima do casal e os lambia, pulando sem parar. Ela estava em uma felicidade só.
Dessa forma, eles resolveram que a levariam para casa, pois já não havia o que se discutir. Abriram a porta do carro e ela entrou e sentou no banco de trás, em uma felicidade enorme, com um sorriso nos seus olhinhos que brilhavam feito estrelas no céu.
Eles nunca tinham visto aquele animal tão feliz. O seu semblante havia mudado, não havia mais tristeza, só felicidade. Ela parecia sorrir em cada traço de seu rosto.
E foi assim, que a jovem Alice ganhou um lar, foi castrada, ganhou irmãozinhos como ela e o mais importante, uma família para lhe dar muito amor e nunca mais ela precisar se desesperar para arranjar comida ou encontrar um lugar para fugir da chuva, das pessoas más ou dos cães que a atacavam.
Uma nova vida se iniciou para Alice e por toda a sua gratidão, ela demonstra o seu amor a cada dia. Sai para passear com os seus tutores e se comporta como uma lady. E finalmente, essa cadelinha conheceu o amor.
Alice é um exemplo clássico de que um animal adulto pode e consegue se adaptar muito bem com uma família. Ela já tem o seu caráter formado, tem muita gratidão no coração e é fiel e amorosa. E uma das coisas mais incríveis, ela praticamente consegue falar. Quando ela quer reclamar ou dizer algo, ela sabe se expressar com sons que quase são palavras humanas.
Todo cão e gato precisa de um lar, não é que eles estejam acostumados a viver soltos na rua, campus universitários, praças ou seja lá aonde fiquem que são felizes ali, eles só não têm outra opção. E por isso são obrigados a sobreviver nos cantos mais diversos que se imagina. No entanto, quando se tem um lar amoroso, eles se tornam gratos e fiéis para sempre.
Pensem nisso.