AVISO

Hoje, felizmente, não haverá crônica.

O cronista manda avisar que está com ressaca e uma dor de corno da moléstia. Solicita as seus três leitores, porém, que não se preocupem. Não é nada grave. É só mais um caso de cervejas mal digeridas e variante de amor mal entendido.

Para curar a ressaca, já iniciou as providências socialmente aceitas: tomou, em jejum, 6 gelados banhos de chuveirinho; deu 10 voltas quadradas em redor do quarto; bebeu 1 garrafa e 1/2 de café Maratá, apesar de recomendação médica lhe sugerir evitar café. Mas como não cita marca...

Quanto à dor de corno, ainda está estudando o caso internamente. Está pensando em convocar o Conselho Superior de Administração Pessoal, a RFB e a egrégia quinta turma do STF para deliberarem, em sessão única e secreta, a respeito de qual procedimento adotar.

Está pensando em requerer indenização por danos metafísicos e materiais, apenas. Acha que danos morais não se aplicam ao caso, que dor de corno é causa comum e socialmente aceita. Não chegar a agravar o desapreço social que a sociedade lhe devota. Ademais, não houve intenção de alguma das partes em atingir a moralidade um do outro. Houve apenas um caso de amor mal resolvido.

Ambos estavam sentados e calados. Cada qual com seu copo e corpo individualmente, quando houve aquela mistura de ciúmes com chuva de setembro. O telefone dele tocou, ele atendeu e, instantaneamente, abriu um sorriso largo e desnudo. Em seguida, levantou-se, foi até o parapeito de um muro branco, onde ficou por volta de vinte minutos, em conferência. E ela, calada e silenciosa, só observando-o e, nos intervalos, um gole e outros.

Terminou o encontro virtual, ele voltou, sentou-se e não encontrou o copo que havia deixado sobre a mesa. Quis saber se ela tinha visto. Ela quis saber com quem ele estava falando ao celular. Ele voltou a perguntar pelo copo; ela insistiu em saber com quem ele falava ao telefone. "Com minha mãe", respondeu.

Ela não acreditou. Houve leve alteração no tom de voz de ambos. E ele resolveu chamar o garçom para intervir: "Poderia me trazer outro copo, por favor". O garçom lhe disse que não podia não; que os copos tinham acabado de acabar. "E cerveja? Ainda temos?". "Sim. Mas apenas de garrafa, em lata de 600 ml." "Pode ser. Me traga meia dúzia. Vou tomá-las à moda antiga." O garçom foi buscar as cervejas, ficaram as dúvidas: "Com quem ele estava falando?"; "Onde está meu copo?".

A essa altura, o telefone dela toca, ela suavemente atende, libera um sorriso federal, disfarçado em careta, levanta-se e vai ao parapeito do muro branco, onde alimenta a conversa virtual por mais de meia hora. Ao fim, retorna, senta-se, e ele, timidamente, lhe pergunta: "Quem era?" "Era minha mãe.", ela responde. E então ele acorda hoje, de ressaca e com essa dor de corno da moléstia. Hoje não pode cronicar. Mas, adverte: pelo menos a chuva de setembro parece que já passou, faz sol, é sábado e a mãe acaba de ligar.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 18/09/2021
Reeditado em 18/09/2021
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