PRINCESA ISABEL! TEU NOME ME BASTA!

Só o nome já inspira como as musas inspiravam os poetas árcades, afinal de contas acordar num lugar chamado Princesa Isabel não é algo suficientemente inspirador para o surgimento de uma crônica? Apeguei-me nessa fé mais intensamente quando dia desses saí de minha casa ainda de madrugada, para pegar a van que me levaria a uma cidade vizinha, pois precisava está lá cedo para assistir a uma formação. Embora tivesse hora certa para isso, fui a passos lentos, sereno da madrugada, alguns cães latiam, outros me olhavam, mas não se atreviam a saírem das suas camas improvisadas, aproveitando-se das calçadas que garantissem um aquecimento maior.

Não sei por que, mas algo me motivava naquele dia a olhar com clima saudosista cada cantinho do meu lugar, a praça da rádio como a chamávamos, que na verdade era a Praça dos Pereiras, que interessante! Seu nome era mesmo Praça Epitácio Pessoa, mas muitos e eu estou no meio dos muitos, a descrevia mais pela sua identidade política, sem muitas preocupações de características padronizadas se embelezando nas memórias históricas que ali habitavam, um palacete, que foi um hospital para os feridos da revolução de 30; algumas casas misteriosas com moradores misteriosos, um pilar com uma estátua do Coronel Zé Pereira, para os adultos um tributo a uma personalidade, para mim enquanto criança algo assustador. Bom, era assim minha leitura desses ambientes, tinha também uma rádio e seu Luís da radio, bem no centro da praça uma piscina oval com azulejos azuis e florezinhas em torno, tendo em cima um palanquezinho, não sei por que, mas aquela imagem me remetia a histórias infantis enquanto meus pais assistiam atentos a eventos políticos. Eram visões diferentes as nossas, confesso. Suspirei quando me dei conta que estava exatamente no mesmo lugar daquele tempo, vendo o palanquezinho que nem existe mais. Sem me dar conta dos pingos que embaçavam meus óculos por estar na minha viagem ao passado, retornei subitamente ao presente, enxugando-os na blusa e acelerando meus passos, mas cada vez que atravessava uma calçada e me distanciava mais da praça eu olhava para trás e via aquele lugar como uma paisagem de foto, de calendário, voluntariamente marcante para mim, diminuindo conforme meus passos, tornando-se maior conforme minhas lembranças.

Chegando mais próximo ao local que queria, avistei a igreja matriz, não sei bem ao certo explicar essa sensação, mas avistá-la sempre me trouxe a ideia de que realmente estava em casa, como o símbolo não só de fé de muitos desse lugar, mas o ponto de referência que ajuda os perdidos a se encontrarem. E aqui, outra praça. A praça dos taxistas, a praça da igreja, a praça do triangulo... Volto às descrições informais, num ritmo acelerado que provavelmente sustentaria o resto do meu dia, avisto a van, o motorista, alguns homens prestes a seguirem suas viagens rotineiras, outros que ali estavam apenas para assistirem à vida dos outros e darem seus palpites, por vezes ajudando os viajantes a encontrarem seus carros, seus motoristas, espécies de assistentes de viagens. Antes que eu me aproximasse do carro, escutei uma voz branda: - Cafezinho minha filha? Foi quando apontou um rosto avermelhado, com chapéu bem peculiar, com óculos grandes, por trás de uma barraquinha amarela e pneus para facilitar a locomoção, tendo na lateral o nome: Café na Praça, um letreiro simples, parecia feito sem forma, mas tudo muito organizado. Depois de minha observação, saudei aquele senhor que atendia por Benício e que nome agradável! Deve ser porque faz um bem tão útil aos personagens das madrugadas, afinal de contas, um cafezinho para esquentar e aquecer os músculos e a mente, para introduzir com gosto os dias de cada sobrevivente agasalhado, de cada passante, de cada princesense que talvez sem saber fazem parte da minha crônica e da minha história.

Enquanto minha cabeça desequilibrada no ritmo acidentado do calçamento, tenta encostar-se ao vidro da janela do carro, percebo ainda aquele mesmo sentimento nostálgico de quando sai de casa e o primeiro barulho foi o dos cães assustados com minha imagem na ladeira das ruas. Aquilo parecia tão forte em mim, sentia-me uma súdita ao dispor da realeza, minha Princesa! Mais uma vez afastava-se de mim, mediante o correr da van, foi então que suspirei num orgulho único, mas necessário ao meu enredo que se rendia aos seus pés, minha Princesa Isabel.

Crônica produzida por Rosilene Leonardo da Silva, em 15 de julho de 2021.

Rosi Leonardo
Enviado por Rosi Leonardo em 15/09/2021
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