"Pai, tomei um tiro"
Lúcio Alves de Barros
Que as coisas andam difíceis no campo da segurança publica, creio que já não exista mais dúvida. No Rio de Janeiro, então, às vezes é bom nem falar. Mas quando os acontecimentos começam a atingir as crianças, algo tem que ser feito. Desculpem-me as autoridades e os meus leitores, mas que policiais e traficantes se matem na tal da “guerra” que andam travando nos bairros pobres e menos nobres das cidades. Contudo, deixem as crianças em paz.
A nova notícia, veiculada no site do Terra (09 de dezembro de 2007), é a do pequeno garoto Mauro Garibaldi Rosa Júnior, de apenas 08 anos. O menino, na inocência e na ingenuidade que ainda persiste nas almas das crianças, estava acompanhado do pai em um posto de atendimento médico. De uma hora para outra, ele gritou: “Papai, tomei um tiro". Pronto, a coisa ficou séria, a bala antes perdida, encontrou e atravessou o braço do pequenino Mauro, depois ela caminhou em passos largos para suas costas e se alojou em um dedo de Deus próximo à coluna. As coisas se acalmaram e depois de tanto pavor, Mauro está em cuidados médicos.
Se algo não está errado, é possível dizer que tudo permanece tal como era antes. Mas, em um país no qual as crianças começam a tombar como se fossem animais é, no mínimo, enganoso dizer que está tudo bem. É muito curioso, mas é estranho como os projéteis preferem as crianças, e, diga-se não de passagem, mas com força, que são projéteis tanto de traficantes como dos policiais. A questão é tão absurda que tampouco há investigações destas balas, pois em geral são armas falsificadas e contrabandeadas que andam pelo mercado negro e estão fora da lei.
O caso do pequenino Mauro vem se somar à constante “guerra” que teima em travar o governo do Rio de Janeiro e de outros estados da federação. Não faz muito tempo a polícia “invadiu” o Complexo do Alemão e o aglomerado da Penha. De acordo com os dados oficiais, estes que passam antes pela secretária de segurança, do total de pessoas falecidas, 24 (vinte e quatro) foram mortas por “balas perdidas”, 76 foram feridas e, destas, 19 eram crianças. Foi na investida no morro do Alemão que ficamos sabendo da morte de uma criança de 02 (dois) anos. Ela estava nos braços do pai e dormia quando o projétil encontrou lugar em sua cabeça. O mesmo aconteceu com uma criança que brincava inocentemente na porta de sua casa. A questão é dramática, mas pouco se tem feito. Na verdade, há pouco que se fazer, a sociedade hipócrita e sádica na qual vivemos tende a dizer que “é um traficante a menos”, “ia morrer mesmo”, “o que estava fazendo na rua”. É o limite da intolerância. Poucos sabem que as mães chegam a dormir sobre os filhos e que muitas adormecem debaixo de móveis. Vida de gado penso eu e, talvez sem exagero, vida que os animais, no seu ambiente natural, não conseguiria viver. O problema é que somos humanos e estes, em geral, não prestam.
Não posso acreditar em uma humanidade que mata crianças e, por ressonância, bate palmas para a impunidade. Do jeito que a coisa anda não vai demorar para que se façam um cemitério somente de crianças mortas com ou sem balas perdidas. Nesse sentido, faço um apelo, haja vista que ninguém é de ferro, a não ser as armas dos traficantes e dos policiais. Peço, ao nosso cambaleante Estado “democrático” de “direito” que leve a efeito um pequeno acordo com os traficantes. Não desejo fazer apologia ao crime, estou somente sugerindo (como cidadão que paga impostos) um acordo pelo amor de Deus ou do Diabo. Seria uma brincadeira (um pouco séria), um pequeno e simples negócio, tal como é a maioria das crianças, simples, ingênuas e pequenas: “não vele matar crianças”. Essa seria a lei maior de nossa brincadeira de polícia e ladrão. Para isso podemos, inclusive, lançar mão do nosso velho e complexo campo normativo. Ela seria redigida mais ou menos assim... Antes, gostaria de dizer que não entendo muito de campos normativos, logo, desculpem os erros que encontrarão, mas também não é problema, trata-se de uma brincadeira e sei que o leitor tem ciência disso. Vamos à lei:
“Parágrafo único: para os efeitos penais, consideram-se como proibidas as mortes de crianças e adolescentes, de natureza pública ou privada, a serviço do governo brasileiro ou de qualquer outro Estado formal ou informal. É também aplicável à lei aos crimes praticados em nome do tráfico, da bandidagem, do roubo, da corrupção e da política. Considera-se praticado crime a intenção, o momento da ação ou omissão nos casos que envolvam crianças”.
Este seria o parágrafo, obviamente, desde os tempos do jurista e filósofo italiano Cesare Beccaria (1738-1794), segue ao delito as devidas penalidades:
Reclusão e detenção
“Artigo 1: A pena para os crimes contra crianças e adolescente é de reclusão e deve ser cumprida em regime fechado.
§ 1º - Considera-se: a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima.
§ 2º - As penas privativas de liberdade, necessariamente, serão executadas rapidamente e terão a primazia em relação aos outros delitos.
§ 3º - Não será garantido qualquer privilégio ao assassino de crianças e/ou adolescentes..
§ 4º - Não será admitido o trabalho externo. O criminoso deverá ficar na ociosidade, no intuito de pensar no que fez, e, em hipótese nenhuma, deverá deixar o seu recolhimento, salvo os dias de banho de sol.
§ 5º - O condenado, após o devido direito de desfesa e contraditório, cumprirá prisão perpétua.
Bom, este é o acordo que acho que deve ser feito entre autoridades e traficantes. Respeito quem pensa o contrário, no entanto, espero que que o leitor entenda que este empreendimento deva ser rápido e certeiro. A celeridade em uma punição evita mal-entendidos e a ressonância no corpo social da famigerada impunidade. Creio ser possível levar a efeito este acordo, bem como sua validade, além dos problemas que envolvem as “balas perdidas”, pois é notório que grandes equívocos também são resultantes dos chamados “crimes de colarinho branco” que, no Brasil, há muito tronou-se moeada corrente, ao ponto de recebimento de propinas ser normal, banal ou coisa que deve ser feita. Diante de tantas penas perdidas no campo da política e da economia, que seja, pelo menos viável, na esfera penal, encontrar os proprietários dos perdidos projéteis que andam pelo ar e, curiosamente, se alojam nos corpos das crianças e dos adolescentes.