MEUS EMPREGOS
 
Quando cheguei aos 20 anos, comecei a trabalhar numa multinacional. Era na Olivetti do Brasil, situada na Rua Uruguai em Porto Alegre, que eu considerava um emprego de verdade. Mas antes eu passei por alguns empregos temporários. Lembro-me de trabalhar como auxiliar de escritório em uma pedreira situada na Avenida Bento Gonçalves. Lá ainda ficaram a imagem gravada em mim, do contador ou guarda livros, como eram chamados os formados em contabilidade. Era o meu chefe que já tinha uma idade avançada e consequentemente a sua mente. Ele morava junto ao escritório, acompanhado do seu cão, O SIMPLICIO, mas acho que ele queria dizer simplíssimo o qual andava por cima das mesas do escritório. Pois é me lembro do nome do seu cão, mas não lembro mais o nome do seu dono. O contador tinha a mania de ficar falando sozinho: Não se metam comigo, eu não sou o que vocês pensam, vai sobrar para vocês, vocês vão ver só. E ao mesmo tempo ele passava a mão no seu cão e dava uma pitada no seu cigarro. Eu ficava escutando e achando muita graça do seu falar sozinho ou com o seu cão Simplicio. Apesar da minha atividade fosse auxiliar de escritório, às vezes eu ganhava um troco a mais ajudando os carregadores de brita, com pás, para encherem as caçambas. Isto quando as máquinas que eram encarregadas desta tarefa paravam pela falta de luz ou por preguiça mesmo. Trabalhei mais um ano e meio na Auto Asbestos, que era uma empresa especializada em baterias para carro. Eu era o encarregado de buscar informações comerciais de clientes novos, tarefa feita indo de ônibus nas empresas. Nem imaginávamos que um dia pudesse existir a internet. Um dia o gerente da firma fez um churrasco no seu sítio, com todos os funcionários. Naquela época eu já tocava o meu acordeão, e não precisava tocar muito bem, pois era uma atividade um pouco rara naqueles tempos, e qualquer música sempre era bem vinda. Levei o meu acordeão, mais um padeiro e um tambor e então, organizamos um ajuntamento musical, e mandamos ver aquele show, onde todos dançaram e se divertiam, ajudado pelas cervejas disponíveis a todos. Quando eu estava sentado para descansar, chegou perto de mim o gerente e perguntou quanto eu estava ganhando, por mês? Depois que eu respondi, ele me disse:eu vou autorizar um aumento no teu salário. A gaitada deu lucro, e olha que nós tocávamos para o gasto, se comparados aos músicos atuais, que aprendem com mais facilidade, mesmo aqueles que tocam por lazer como nós. É bom lembrar que normalmente a gente ganhava um salário mínimo, e dava para as despesas básicas de uma pessoa. Quem ganhasse um salário mínimo, pagava uma pensão completa, com direito à cama e refeições, a ainda sobrava um troco para outros gastos. Lembramos que na época não existiam o consumismo atual. Só tínhamos o suficiente, que era o que precisávamos. Há que saudades. Lembrei-me de que antes de eu ir para a Auto Asbestos, Trabalhei mais ou menos um ano na Alfaiataria Caldasso, que ficava no mesmo edifício, Comendador Azevedo onde estava também a Olivetti do Brasil. Minha função era o de entregador de roupas pela cidade, dos considerados os bem vestidos. Numa ocasião eu deveria entregar um terno na Rua Eretiano da Rocha, na época era onde o diabo perdeu a botas, um bairro que ainda estava em expansão apresentando ruas que ainda não tinham ficado prontas. Procurei por todos os cantos e não encontrei a tal Rua, fiquei frustrado, pois eu sempre encontrava os endereços dos bem vestidos, voltei de cabeça baixa com a fatiota do cliente, e falei para o alfaiate essa rua não existe.

O cliente ficou sem a sua fatiota no final de semana e veio buscá-la no outro dia. Pior que a rua existia só que estava muito escondida, e mal sinalizada. Olha tem coisas que viram piadas e pegam mesmo. Os demais funcionários sempre me perguntavam se eu conhecia a Rua Eretiano da Rocha, Eu nunca mais esqueci, e até o meu amigo e alfaiate, o Francisco Doval mais de trinta após quando eu ia visitá-lo ainda ele me perguntava: tu conheces a Rua Eretiano da Rocha? Tem coisas que vira uma lenda. A gente vai escrevendo nas memórias, aquilo que vem à nossa razão no momento. Falei em alfaiate, e me lembrei do meu pai um grande contador de piadas, que contou essa estória, como se fosse verdadeira. Umas mulheres tinham encontrado uma cobra, enorme e havia algumas pessoas olhando em volta da cobra e um dos curiosos perguntou, porque não chamam um homem para matar essa perigosa cobra. E uma das mulheres olhou para ele. Ué mas, tu não és um homem: e ele respondeu muito rápido. Eu sou um ALFAIATE. A alfaiataria, que eu estava trabalhando não estava bem financeiramente, e eu resolvi procurar outra atividade, para não ficar desempregado, mas com o consentimento do meu gerente.

Fiz o Teste na Auto Asbestos, e fiquei esperando o resultado. Quando eu estava na Alfaiataria, o gerente da Auto Asbestos ligou e falou com o nosso gerente e queria saber as referências do entregador de roupas, que era eu. O gerente falou assim: vocês não terão nenhum tipo de problema com o novo empregado. Eu assumo qualquer responsabilidade com o João Neri. Eu estava com o emprego garantido na Auto Asbestos. Eu sempre procurei trabalhar bem, porque eu sempre achava e continuo achando que é o normal e uma obrigação com os outros e consigo mesmo, desenvolver um trabalho bem profissional, arregaçar as mangas pelo seu ganha pão. Você deve trabalhar bem, pois isso será bom para ti e para a tua empresa, mas é bom também lembrar, de que Alguém pode estar te observando. Aquela referência do senhor Caldasso, alimentou mais a minha responsabilidade com o meu trabalho, e com a vida, são aquelas palavras ditas nas horas e no lugar certo. A minha mente registrou de uma forma indelével, aquela referência feita sobre a minha pessoa. Além de eu ter que trabalhar com afinco, para crescer profissionalmente, eu jamais deixaria mal o prestígio de uma pessoa, como o Caldasso, que demonstrou ser um grande amigo. Depois de trabalhar dois anos na auto Asbestos. Eu queria um emprego numa empresa maior. E fui admitido numa multinacional. A Olivetti do Brasil. Eu me considerei realmente colocado em um emprego onde eu teria como demonstrar a minha capacidade profissional. Depois de fazer um teste, que foi até ao meio dia, eu estava com a minha colocação garantida. Na realidade eu fiz teste para ser cobrador externo da Olivetti, mas como eu batia a máquina de escrever. Tinha até um certificado conseguido através do Curso Duque de Caxias como datilógrafo, batendo com todos os dedos, pois naquela época não existiam os dedógrafos, saber bater bem a máquina era uma condição importante quando alguém queira conseguir algum emprego em escritório, “Hoje se diz digitalização”. Consegui ser empregado administrativo interno, como auxiliar de caixa. Mas para ter acesso a minha função de grande responsabilidade, o meu cunhado Círio Faller, assinou uma carta de fiança, exigido naquela função, Se responsabilizando financeiramente. Mais outro amigo confiando em mim. São créditos que ficam eternamente nas minhas memórias. Com o passar do tempo e com os aumentos de salários, eu mesmo fiz um cheque sem data e entreguei ao meu cunhado dando-lhes garantias para a sua carta de fiança. A Olivetti do Brasil, uma multinacional com matriz em São Paulo, estava em franco desenvolvimento, e estava angariando muitos funcionários para o seu quadro de colaboradores. Trabalhei um ano e meio, e a caixa geral, foi promovida, e eu consequentemente, promovido à caixa geral. Foi um sonho rápido eu de Caixa geral de uma multinacional. Dispensei a função de auxiliar de caixa, e assumi sozinho a bronca. Que bronca. Tínhamos um aumento de salário, a cada quatro meses, considerando que a inflação era muito baixa. Dava para se dizer que eu ganhava bem. Mais tarde fui descobrir que a vida não é só ganhar bem. 

Eu, que já estava estressado das funções de caixa, pior ainda quando chegavam os auditores da matriz, sem avisos, para fiscalizar todos os procedimentos feitos no caixa. Eu ficava sentado num canto da sala e só podia responder as perguntas feitas pelos auditores. Nunca houve algum tipo de problemas com os auditores. Diga se de passagem que o caixa, era uma sala com um cofre grande, onde somente eu é que tinha a chave, e mais a gerencia que também tinha uma cópia lacrada, que só poderia ser aberta, caso eu deixasse de comparecer, ou quando eu passava o caixa contabilmente quando eu saia de férias. Com a promoção conquistada, resolvi comprar o meu primeiro veículo, uma Lambreta LD importada, e é claro usada.

O sonho da independência dos coletivos tinha sido realizado, se não chovesse. Eu era eu o que mais aparecia em Ipanema, ganhava as gurias, ia para a praia de tramandaí, estava com tudo com a minha lambreta. Foi o meu início com as duas rodas que continuou por mais de 40 anos. De caixa geral após ter trabalhado mais uns quatro anos, fui novamente promovido a gerente do setor de movimento de máquinas. Era uma sala com mais ou menos dez funcionárias e eu era o bendito ao fruto entre as mulheres.

Era outra loucura, pois os vendedores traziam os pedidos, e como vendiam máquinas, de escrever e calculadoras como se fosse cachorro quente, para serem remetidos à matriz em São Paulo. Todas as funcionárias e eu ficávamos batendo máquina, era esse o termo que se usava para máquinas antigas, pois na realidade nós tínhamos que bater nas teclas, para que os pedidos ficassem prontos a fim de serem remetidos a matriz que era em São Paulo. Isso que muitas vezes tínhamos que entrar noite adentro para finalizar os pedidos. O salário era convidativo e eu já tinha vendido à lambreta, e adquirido um carro da Ford, um gordini zero km, que por ser um carro popular, que na época existia, tinha o nome de teimoso. Para conseguir a ficha de aquisição, fiquei dois dias e duas noites numa fila na antiga Exposição de animais do Menino Deus, consegui a ficha de número 68, o que me dava a garantia na conquista do carro, o que levaria alguns meses de expectativa.

Uma vez por mês eu ia à Caixa Econômica para ver o número que estava chegando, Quando chegou o 68, urra até que enfim. Só que o caminhão que vinha com os carros, ficou retidos numa ponte que dava acesso ao RS por conta das chuvas, e caiu, aí ficaram mais alguns dias, quando o carro realmente chegou à concessionária. A aquisição me comprometia uma boa parte do salário, Mas que se tornou uma parcela bem acessível, com os aumentos salariais concedidos na minha função. Considerando que a prestação do carro era fixa. Quando eu fui buscar o carro na Copagra, que é uma revenda da Ford e que ainda hoje (2012) existe tendo como dono um antigo amigo meu dos tempos da juventude.

Levei um amigo que deveria servir de motorista, pois eu apesar de dirigir somente lambreta mas possuir a carteira AB, não estava acostumado com carro. Só que faltava completar a revisão de entrega, tendo ficado para o dia seguinte. Como o meu amigo não poderia ir comigo, fui desacompanhado. Pedi para colocar o carro na rua, e o dirigi até em casa no bairro petrópolis, em primeira e segundas marchas, com muito sacrifício, apesar de não haver tantos carros como hoje acontece.

Naquela época, dava para estacionar na frente da empresa, o que eu fazia, isto considerado que a empresa que eu trabalhava, era bem no centro da cidade. Depois a Olivetti do Brasil foi para Av. Farrapos
Scaramouche
Enviado por Scaramouche em 14/09/2021
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