Um ponto
Eu digo sim, você diz não. Uns dizem talvez, outros se calam. Diferentes pontos de vista. Diversos pontos: uns ligam, outros separam. Um ponto pode estabelecer limites, pode impor barreiras ou eliminá-las. Um ponto é começo e fim de linha, é meio termo, é inarredável direito. Uns brigam por eles, outros matam. Alguns são indiferentes, a eles não se limitam, ultrapassam lugares comuns, sítios, paisagens, passagens, paragens.
Diferentes pontos de vista marcam os vários tempos históricos. Um ponto pode ser rígido ou flexível. Pode marcar profundamente como a estocada de um punhal ou pode riscar, o risco leve e indelével das certezas, o risco calculado e pernicioso dos tracejados obscuros das jogadas políticas, costuradas em cima, ou acima, de pontos combinados, de acordos pontuais. Pode desenhar, como num bordado, fixar estampas numa camisa. Desenhar minúsculas e rápidas pinceladas num quadro expressionista. Imitar Van Gogh num campo de trigo, sob olhares que se cruzam em inúmeros contextos retirados de peculiares individualidades.
Uns gostam da floresta, outros gostam do deserto. Uns gostam do claro, outros do escuro, mas existem os que não abrem mão da penumbra. Pontos são brandidos como estandartes. São gritados com tanta certeza e ódio que carregam consigo a morte, o silêncio, a ausência de debate. Uns são pontos de partida, outros de chegada, estrada aberta, caminho livre para ampliar horizontes. Depende de quem olha, de quem fala, de quem ouve, de quem parte e de quem fica. Pontos de vista causam rupturas, separam, mas também unem. Pontos de vista se transformam em ponto de honra, ponto de participação, ponto de luz, ponto de exclamação, ponto fraco, ponto forte, ponto morto, tão contraditórios, tão atraentes, e até em livro de ponto, tão burocráticos!
Um ponto é um instante, fugaz, muito mais passageiro que uma linha, uma reta, um ângulo. Um ponto pode ser rápido como um lampejo criativo, pode ser veloz como uma flecha. Pontos podem ser transitórios, como nós, efêmeros, como o poente das tardes quentes. Podem ser eternos, como um monumento encravado numa esquina.
Interessante é reconhecer a imensa variedade das perspectivas. A diversidade dos desejos, dos sonhos. Perceber a variação, a inconstância, a variabilidade das formas, dos conteúdos e a possibilidade de transitar entre uns e outros. De um ponto a outro como um relâmpago entre o céu e o chão.
Infelizes daqueles que não conseguem enxergar além do seu ponto, da sua mirada, da sua sacada. Mais infelizes ainda os que impedem os olhares, pois causam infelicidade e não percebem que os pontos mudam a cada volta da roda, do dia, da Terra, do Sol.
O início do século XXI flexibilizou os pontos de vista, mas eles continuam aí. Evoluíram, mudaram, uns desapareceram, outros surgiram ou deram um nó nas ideias. Um ponto pode fechar uma cicatriz, uma época histórica, uma frase, esta crônica.