"A Gratidão é a Memória do Coração."

Sou samaritano!

Na verdade, pouco importa o nome da minha cidade natal, basta saber que ela está situada na região de Samaria que, geograficamente divide os judeus e os galileus, ou seja, Judeia e Galileia.

Somos de há muito, uma espécie de "patinho feio" dentre os israelitas e, talvez haja alguma razão para essa discriminação, pois, afinal a nossa origem está intimamente ligada à desobediência civil e religiosa dos nossos antepassados que abandonaram as orientações da Lei de Moisés e se uniram a povos considerados gentios pelo casamento.

Desde os tempos do cativeiro Assírio/Babilônico com a queda dos reinos do Norte e do Sul de Israel ocorrido nos anos 722 a.C com a queda de Samaria para os assírios e em 587 a.C com a queda do Reino de Judá para o império da Babilônia, a Samaria transformou-se numa mistura de costumes, crenças e culturas diferentes, sendo fortemente influenciada pela cultura helenística ao tempo do conquistador Alexandre, o Grande que governou a Palestina por volta do ano 333 a.C.

Pode-se dizer que os samaritanos, fortemente influenciados pelos assírios, babilônios, macedônios, ptolomeus e selêucidas acomodavam-se em meio ao sincretismo religioso e cultural, no jargão popular acendendo uma vela para Deus e outra para o diabo, o que os tornava odiosos aos olhos dos judeus.

Mas, nem tudo que não é sagrado se torna por isso, necessariamente profano. Por exemplo, a cultura e a filosofia gregas destituídas do seu caráter místico-religioso com o seu panteão de deuses e semideuses para explicar a Natureza, possui o seu valor cultural e acadêmico.

Embora samaritano odiado pelos judeus do meu tempo, eu era um admirador da cultura helenista, ou grega e, em especial de um pensador grego que fora discípulo de Sócrates, nascido em Atenas no ano 445 a.C, fundador da Escola Cínica e que, à semelhança de Sócrates defendia a Virtude considerando-a mais importante que o Prazer e, nos seus discursos defendia o exercício prático da Virtude como meta para se alcançar a Felicidade.

Claro que isso não é nem sagrado e muito menos profano. Trata-se de uma constatação racionalista do meu admirado pensador grego de nome Antístenes.

Aprendi a agir dessa maneira, ou seja, exercer a Virtude como meta para alcançar a Felicidade e assim vivi durante minha adolescência e juventude, até ser acometido de lepra, a terrível enfermidade que levava ao isolamento social, discriminação e fatalmente à morte, pois até aquele momento, nem mesmo Hipócrates, o grande mestre e médico grego havia descoberto a sua cura.

Foi nessa condição, vivendo na comunidade de leprosos e à margem da sociedade, sem nenhuma esperança de cura ou perspectiva de mudanças que eu tive o meu primeiro encontro com Jesus de Nazaré.

O Nazareno já havia passado por Samaria em outra ocasião e eu não tivera oportunidade de me encontrar com ele. Mas, desta vez seria diferente! Juntei-me a outros nove companheiros igualmente doentes e ficamos atentos aos movimentos da população que se agitava naquele dia quando souberam que Jesus passaria pelo nosso povoado indo em direção a Jerusalém.

Eu sabia que a multidão poderia ser um obstáculo para nos aproximarmos dele e até poderíamos ser apedrejados por isso, mas, sinceramente o que tínhamos a perder?

Lembrei-me de um episódio vivido há muito tempo pelos samaritanos que se viram cercados pelo exército sírio e de quatro homens leprosos que, como nós, não alimentavam nenhuma esperança de salvação e cura. Eles disseram:

“Morreremos de fome se ficarmos aqui, mas também morreremos de fome se entrarmos na cidade, pois não há alimento lá. Vamos sair e nos render ao exército sírio. Se eles nos deixarem viver, melhor. Mas, se nos matarem, de qualquer maneira teríamos morrido.”

Assim eu me sentia naquele momento até que avistamos o Nazareno que se aproximava de onde nos encontrávamos. Começamos a clamar em alta voz e à medida que nos aproximávamos dele as pessoas abriam caminho para a nossa passagem, visto que não queriam ser tocadas para não serem consideradas também impuras. O nosso clamor era: "Jesus, Mestre, tem misericórdia de nós!"

Claro que nem era necessário explicar o porquê do pedido de misericórdia. Nossa enfermidade estava à vista de todos e também não passou despercebida de Jesus que nos ordenou fôssemos nos apresentar ao sacerdote do povoado para sermos declarados limpos da lepra e totalmente curados.

Qual não foi a minha surpresa quando percebi que a minha lepra havia desaparecido e que o mesmo havia acontecido com os outros companheiros de sina. Chamei-os mas eles não me atenderam. Quis conversar com eles sobre a importância da Gratidão, mas eles não me deram ouvidos e cada qual seguiu o seu caminho.

Lembra-se do que eu disse sobre a prática da Virtude? A Gratidão é uma virtude, por isso, assim que me vi limpo, totalmente curado, voltei até onde Jesus se encontrava para agradecer a Ele que me devolvera à Vida, à sociedade e à minha família.

A minha consciência e, agora a minha fé em Jesus e o reconhecimento de ser Ele o Messias de Israel não me permitiria repousar a cabeça no travesseiro sem, antes, expressar a minha eterna Gratidão ao Autor da minha nova vida. E como aquilo me fez bem à alma!

Jesus se admirou de que apenas eu, um samaritano, tivesse se lembrado de agradecer a bênção da saúde a nós devolvida como resposta de um clamor por Sua misericórdia. A sua última palavra ainda ressoa forte em meus ouvidos e no meu coração: "Levante-se (eu me prostrara diante dEle) a tua fé te salvou. Vai-te em paz!"

Não sei o que foi feito dos outros nove companheiros que foram curados juntamente comigo. De uma coisa eu sei, "jamais deixaria de seguir a Jesus como meu Mestre e Senhor". Afinal, como afirmara Antístenes e como eu mesmo experimentara essa realidade na minha vida, "a Gratidão é a memória do coração", numa demonstração clara de que não existe, necessariamente, oposição entre a Filosofia e a Fé.

Obrigado, Senhor, por Tua misericórdia para comigo!

Deus te abençoe e lembre-se sempre de que Jesus rompe qualquer barreira, até a do preconceito seja ele de que espécie for, para demonstrar por você misericórdia, amor e perdão!

Pr. Oniel Prado

Inverno de 2021

12/09/2021

Brasília, DF

Oniel Prado
Enviado por Oniel Prado em 12/09/2021
Reeditado em 25/10/2021
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