BORBOLETAS NO OUTONO

Não sei se aparecem borboletas no outono. Sinceramente, não entendo muito de borboletas. Só sei que são, na sua maioria, bonitas. Algumas chegam a ser lindíssimas como aquela que encontrei na escada da garagem, moribunda, na véspera do Natal... Borboletas são insetos coloridos, silenciosos e voam; fora isso, não sei nadica de nada acerca das ditas cujas. Apesar de minha ignorância borboletífera, vou vivendo.

Em criança, tive um livro sobre borboletas. Na capa, borboletas desenhadas em tons multicoloridos sobre o fundo verde claro. Lendo-o, aprendi que são cientificamente chamadas de lepidópteros. E que seus nomes se escrevem em latim e itálico. Com o passar do tempo, para minha decepção, descobri que todos os animais, incluindo-se os insetos e os homens, têm os nomes grafados assim: é uma convenção. Então, das borboletas continuei a saber pouco. Conhecimento superficial, ironizava a professora de História Medieval toda vez que nos entregava as avaliações corrigidas.

Voltando ao livro que coloriu minha meninice, lembro que as páginas, em papel tipo revista, traziam ilustrações de lepidópteros de várias partes do mundo. Recordo nitidamente os desenhos, recordo a textura das páginas, a disposição dos textos sempre abaixo das gravuras, a fonte das letras, e nada mais. O tempo se encarregou de sumir com aquele livro, apagou as informações que memorizei. Ah, o tempo é como uma borracha... antes fosse como as borboletas, que revoluteiam, somem, retornam, sempre embelezam.

Uma vez que enveredei pela seara das memórias, veio agora à mente o dia que topei com o coletivo de borboletas. Eram os tempos do primário e eu me deslumbrava com as palavras escritas em giz colorido pela tia... aquela palavra soava tão diferente, tão bonita, incrível mesmo. Decorar a lista de substantivos que era, até então, muito chato, ficou agradável depois que as borboletas, em bando, esvoaçaram diante de meus óculos. Por muitos e muitos dias o panapaná revoou, tingindo meu caderno, alegrando-me as tardes.

Mas, como eu ia dizendo, acho que borboletas não aparecem no outono. Ou, se aparecem, certamente evitam zanzar por esta cidade desnuda de árvores e flores. Se o fazem, estão certíssimas: aqui não está mesmo muito agradável. Hoje, no entanto, apareceu uma; pousou próximo à janela. Pequitita, toda cinzenta – feinha, feinha, a pobre. Como um urutau, camuflou-se à tintura da parede; ficou paradinha ouvindo o lero-lero burocrático. Acho até que me analisava: eu comia biscoitos e esperava o sistema que, mais uma vez, estava indisponível. A feinha ficou longo tempo ali até que, provavelmente farta de tudo aquilo, bateu as asas, foi para Deus sabe onde... brincar de viver. E me deixou com minhas teorias e regras processuais, atulhado em prazos, farto de esperar o regresso do sistema.

*escrito em 26/05/2021

Raphael Cerqueira Silva
Enviado por Raphael Cerqueira Silva em 12/09/2021
Código do texto: T7340552
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