DIA DAS CRIANÇAS

FUI DECLAMAR UM POEMA

Minha professora Eunice disse:

Crianças, vai ter uma festa no dia das crianças, doze de outubro, e vocês vão declamar poemas, cantar e dançar, quem quiser vem aqui me dar o nome.

Fui lá e dei meu nome e nem sei porque. Pensei em desistir imediatamente, mas fiquei com vergonha de falar com Dna Eunice.

Aquilo ficou um tempão martelando minha cabeça.

Cheguei em casa e falei: mãe, a professora quer que a gente se apresente artísticamente no dia das crianças.

Minha mãe foi logo dizendo: E você, o que vai fazer ? Sei lá, eu disse. Acho que vou recitar um poema, o que a senhora acha ?

Ela disse: Tudo bem, te ajudo a decorar.

Decorar mãe ? Acho que vou ler. Será que eu consigo decorar ?

Meu sofrimento começou ali, tinha uma timidez enorme. Uma vez cheguei a fazer nas calças, com vergonha de pedir para a professora me deixar ir ao banheiro. Imagina a situação. Só de pensar já me dava vontade de chorar.

Escolhi um poema de “Willian Shakespeare”.

Li e reli até decorar tudo direitinho. Logo chegou o grande dia.

Todo seguro, pensei: dessa eu escapo.

O salão estava lotado de pais e convidados, fiquei ali no fundão aguardando a minha vez.

Aquele esperar sem fim foi minando minha segurança, comecei a suar frio e minhas pernas pareciam querer me levar para longe dali, derrepente ouço meu nome.

Pensei: agora ferrou de vez, vou ter que encarar.

Subi no palco, vendo aquele povo todo me encarando, as pernas tremendo e aquele nó na garganta que parecia querer me matar sufocado. Me deram aquele microfone pesado e gelado. Descobri ali a minha veia de comediante. Comecei a recitar, fechei os olhos buscando as palavras que teimavam em apagar-se do quadro negro da minha mente, tudo se apagou por um instante e eu disse em claro e bom som “puta que pariu esqueci”, o salão veio abaixo, era só risada, a professora Eunice teve compaixão de mim e me disse a próxima palavra do poema, tudo clareou, a situação deprimente me deu a dimensão da fragilidade do ser humano e me fez perceber que temos que ir em frente apesar de tudo. Continuei recitanto o poema até acabar, fui um dos mais aplaudidos da noite. Aquela história me rendeu muito assunto na escola e na cidade, fiquei conhecido como o menino do “puta que pariu”.

Hoje já consigo falar sem tremer, escolho melhor as palavras.

O menino deixou saudades da expontaneidade com que dizia “puta que pariu, esqueci”. Dizia aquilo como quem diz uma palavra qualquer, sem nenhuma maldade, repetindo algo que escutou de alguém. O tempo traz o amadurecimento que tira de nós essa inocência de não saber nada sobre as malícias do mundo. Aquele menino ainda vive em mim e de vez em quando fala coisas inusitadas, palavras nascidas da inocência e da incoerência que é viver.