7 pecados pós-modernos

1. Bebidas e comidas artificiais. — Não me lembro a última vez em que tomei uma bebida, alcoólica ou não, puramente pura. Nem água mineral tem escapado à adulteração. Estes dias comprei um galão, coloquei-o no bebedouro, tomei um gole... descobri que tinha um teor alcóolico de no mínimo 25%. Fiquei embriagadíssimo de surpresa. Também houve o caso em que um amigo me convidou para comermos uma buchada de bode na casa dele. Fui, servi-me e, após o terceiro prato, percebi que a buchada de bode não era buchada de bode coisíssima nenhuma: era moqueca de frango Perdigão, cozinhado no micro-ondas. Se não fosse as doces doses de uísque falsificado que tinha tomado durante o almoço, teria percebido a "troca" antes.

2. Fingir orgasmo. — Bem, aqui há divergência visível. Recentemente uma amiga me disse que essa prática sempre houve; que encenação vai para além do teatro grego. Não é coisa da atualidade não. Ela defende, inclusive, que remonta à época de Eva. E eu, nos bastidores, imaginei : "Puxa, coitadinho do Adão... Toda uma vida sendo ludibriado..." Mas logo recompus a consciência e maculei a precoce inocência de Adão: "Peraí, na boa, homens também fingimos orgasmo, sobretudo quando estamos em estado de graça, isto é, dormidos. De modo que, Adão, você não é tão santo não."

3. Furar fila ou semáforo, e vice-versa. — Eis hoje em dia a coroação da pressa, em parte, e, na totalidade, da ideia bíblica de que os últimos serão os primeiros. Todo mundo quer estar entre os primeiros, seja em qual categoria for. E os últimos não ficam para trás nesse quesito; aliás, principalmente os últimos querem ser os primeiros. E assim, de quando em quando, um pedestre é mastigado por um carro, moto, triciclo: é o acelerado progresso em primeiro lugar.

4. Corrigir o português alheio. — Eita, esse é um dos que mais me incomodam. Sabe aquelas pessoas tolerantes com nossos "erros" de gramática e de vernáculo? Estão sumidas. Foram tragadas pelos "policiais da língua", essa galera chata que fica a todo momento monitorando nosso expressar e, diante de um deslize nosso em uma concordância entre sujeito e verbo, de um escorregãozinho no âmbito da regência verbal ou nominal, de uma omissão involuntária à letrinha faltante em uma palavra de conhecimento público, então... é o suficiente para esses radares vernáculos detectarem o "erro de português" e nos denunciar em público. São terríveis, esses corretores do português alheio! Pra essa galera, estamos sempre redigindo uma redação para o ENEM... Quando encontro um desses f7 pela frente, em ciclo de amigos ou entre amigos mesmo, ainda que eu seja de pouca fé, benzo-me três vezes, mas o faço como meio de protesto, de revolta, de exortar essa galera que turva nosso expressar.

5. O aumento no valor do botijão de gás. — Não faz muito tempo, coisa de década apenas, um bujão de gás custava o mesmo preço de uma cocada; hoje custa o preço de um bitcon.... Isso pode, Queiroz? Ora, se cozinhar à lenha não se pode: é crime com pena de trinta a cem anos de reclusão em regime exclusivamente fechado, multa e perda de prestígio social; se cozinhar ao micro-ondas, carérrimo, pois micro-ondas, ainda, não funciona à base de luz solar, mas apenas mobilizado pela energia da energia elétrica, cujo preço está eletrizante. Se trabalhasse com luz solar, até poderíamos, aqui em Alagoas principalmente, em que ela é generosa, abundante e mais ou menos gratuita, poderíamos preparar nosso de comer nesses aparelhos multiuso. Mas... E à noite? Como fabricaríamos nosso rango? Se à noite o sol se dorme? Ademais algumas comidas carecem de fogo vivo para prosperar, por serem um pouco exigentes. É o caso do guisado de galinha caipira à paisana, do feijão mulatinho à farofa, do toucinho de porco à vinagrete. Etc. Etc. Etc. e tais.

6. Convencer bolsonarista de que a Terra não é plana. — Está é para Sísifo... Tarefa interminável, inútil e cansativa. Nem adianta invocar a ciência e dizer: "Olha, camarada (aliás, deve-se evitar chamá-los de camarada. São ariscos à intimidade), qualquer dia desses, pode ser em uma segunda-feira, inclusive, vá a uma praia, dessas em que barcos costumam tomar banho. Vá, procure um desses, observe-o sair da água. Perceba que ele não sai de uma vez não: vai encantando-se aos poucos, por partes, feito mulher bonita quando deseja nos seduzir. Primeiro vão escondendo-se membros maiores, até a derradeira parte, a vela, desaparecer completamente. Pois bem: sabe por que isso acontece? Por que esse barco não some de uma única tragada na imensidão do mar? Porque a Terra é redonda, redondíssima."

E finalmente:

7. Tentar ser você mesmo. — Se você está nessa, desista. Originalidade está muito fora de moda ultimamente. Sem falar que tentar ser nós mesmos pode ser desagradável e quase sempre leva à depressão, ou coisa pior, como rotineiramente diz um pessimista amigo meu. É recomendável, na modernidade atual ainda mais, fantasiar-se de quem não somos, de quem nunca fomos, de quem nunca seremos. Evita-se, assim, a detestável fadiga dos ébrios, a insônia dos loucos, a desilusão amorosa dos traídos e as dores nas articulações dos reumáticos. Que apreendamos a mentir eficientemente para nós mesmos, todo dia e se possível o dia todo.

Em nome do pai, do papagaio da minha vizinha, do FMI. Amém.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 11/09/2021
Reeditado em 11/09/2021
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