Na cabeceira da pista
Descendo rumo norte pela Washington Luís, quase na Bandeirantes, uma imensa sombra ruidosa vem surgindo por entre a névoa densa nessa quase noite de inverno.
Esse cara já foi presidente e os bandeirantes, tidos como heróis por alguns, foram em verdade, vorazes saqueadores. Mas espera ai, não vou falar nem de um nem dos outros, é certo que, cada um em seu tempo, esteve por aqui quando esta cidade ainda não havia se transformado num mar de concreto armado, com suas torres pontiagudas apontando para os céus.
Aquela imensa sombra ruidosa se aproximava rapidamente e parecia querer raspar a barriga nas antenas.
Então, minha cabeça girou cento e oitenta graus, as retinas se espremeram pra captar aquela imagem e os ouvidos engoliram cada gole do ruído nervoso das turbinas daquele imenso pato de lata. É esse tipo de coisa que faz a mente rodar como peão e nos leva a lugares tão distantes quanto à imaginação permite.
A simetria exata das linhas dos edifícios perfilados ao longo da avenida encurta o horizonte para poucos metros, mas não o pensamento.
Vêm de longe, dos quatro cantos, se aproximam.
Chegam com malas, maletas, mochilas e gente!
Em fila indiana, acima das antenas, manobram pelo céu cinza e vertem ao sul.
Vêm um, dois, três e ainda mais pássaros de ferro com asas de lata.
Resmungam pelo céu de Sampa em meio a nuvens densas de chumbo e deixam um rastro de incredulidade pelo excesso de peso que flutua.
Decoram o céu cinza, já é tarde, quase noite! Um naco de luz laranja os atinge da pista de pouso.
Vêm de longe, se aproximam vindo dos quatro pontos cardeais, como marrecos no esteio.
Do chão da avenida a cabeça que gira a retina que aperta sob a sombra que desliza no céu da cidade.
Riscam compasso certeiro no céu da metrópole , são bichos de lata com asas de ferro em voo improvável.
Seu ruído é cantado em versos sem simetria sobre paredes simétricas.
Quando tocam na pista, já vou longe. Já não os vejo.