MEU TEMPO DE CRIANÇA
Vamos voltar para o ano de 1948. Eu tinha cinco anos. Existiram muitas coisas interessantes na minha memória, naquela época. Era uma vida com bastante carência do que temos na atualidade. Uma pessoa que vive hoje não faz idéia da nossa sobrevivência, mas sobrevivemos e muito bem. Nós morávamos para fora, - era assim que se dizia antigamente - e existiam pessoas ricas, mas careciam das coisas que hoje estão em demasia a nossa disposição, tem coisas boas, e muitas que estão nos atrapalhando e entupindo nossas casas. Havia um ditado antigo que nós ouvíamos antigamente que dizia assim: “se a gente guarda o que não precisa, um dia podemos precisar” – só que naquela época nós não tínhamos quase nada e guardar algumas coisas até que poderia ser útil. Mas se hoje vamos pensar desta forma, teremos de ter pelo menos duas casas – uma só para guardar os excessos. PODERÍAMOS COMEÇAR ASSIM: quando eu ia com os meus pais fazer compras num armazém - nosso rancho era composto de mel, açúcar, farinha, fermento, chimia, massa, manteiga, arroz, feijão, erva e estávamos com o nosso rancho pronto: contávamos com as nossas plantações e alimentos feitos na nossa própria casa. Hoje o nosso carrinho do supermercado fica empanturrado de coisas, mas tem gente que acha que tudo é necessário, mas quantas coisas ruins para a saúde estão embutidas juntas como agrotóxicos, e conservantes e alimentos que acabam sendo vencidos e jogados fora. O rancho era todo mencionado numa caderneta que ficava com o armazém e uma cópia conosco. Nesta época havia confiança, não precisávamos de cheques nem notas promissórias assinadas e todos pagavam as suas contas, às vezes até atrasavam. Mas sempre pagavam. Quando eu queria ir ao banheiro, era uma casinha nos fundos, com um buraco no chão e com o tempo quando enchia era aberto outro buraco, mudava-se a casinha e já tínhamos uma patente nova. Quando saímos da nossa casa no mato, fomos até a cidade, onde me falaram que tinha uma vizinha cujo banheiro era dentro da casa. Eu imaginava a própria casinha que eu conhecia como patente, estava dentro da casa da vizinha. Mas era na realidade um banheiro com louças como o nosso de hoje. O papel higiênico não se sabe se já existia para os mais abastados, mas na nossa “patente” inexista, mas tinham folhas cortadas e penduradas em um prego e até sabugo de milho. Quando nós queríamos escrever uma carta, o papel usado era com espessura bem fina para não pesar durante a postagem evitando um custo maior. Quando eu precisava colocar alguma coisa no refrigerador? – mas na nossa casa ainda não tínhamos, lembro-me que meu pai um dia nos mostrou uma revista onde o tal do refrigerador, já tinha sido inventado, e que fazia gelo por conta própria. Para nós foi um assombro e passaram muitos anos até a gente conhecê-lo. Lembro também de termos uma toalha para o rosto e banho, e um pano velho que era só para quando nós lavássemos os pés que era uma rotina diária, pois nós vivíamos brincando com os pés descalços. Mas o banho de corpo inteiro era restrito, por cultura, e porque era frio. Banho quente, em nossa casa existia, mas era de bacia. Que bacia grande, onde cabia uma pessoa adulta dentro. Tolha da mesa, era floreada e só era colocada quando nós tínhamos visitas. Tínhamos também uma bacia para lavar o rosto encimada num pedestal, com uma jarra de água na parte de baixo. Quando o asseio do rosto era concluído, a bacia de água suja era jogada pela janela mesmo, e era por isto que a aparelhagem de lavar o rosto, ficava propositalmente próxima a uma janela. Os enfeites de parede eu me recordo de termos as fotos dos meus avós e meus pais, alem da foto do Presidente da República, que naquela época era o Getulio Vargas, que foi por um longo tempo o mandatário do nosso país. Quando o meu pai perguntava para mim o nome de quem era naquela foto, eu tinha que responder, porque fui treinado: Getulio Vargas o Presidente do Brasil. Acho que o Getúlio Vargas meio que doutrinava o povo pelo seu carisma e eloqüência. E tinham as bolachas que a mãe fazia para as festividades do Natal. Ela usava formas com desenhos de bichinhos, e depois colocava açúcar colorido por cima e no Natal era aquela festa para toda a gurizada. Até hoje ainda tem gente que faz aquelas antigas bolachas. As portas da casa só tinham duas a da frente e a dos fundos. A dos fundos era trancada com tramela ou tranca de madeira. E somente a da frente é que tinha fechadura, com aquela chave enorme, que não tinha como perdê-la pelo seu grande volume. No meu tempo, de criança eu brincava com os meus carrinhos feitos em casa, que nós procuramos elaborar o melhor possível. Se esmerando nos acabamentos, e depois colocava um cordão amarrado em suas frentes, para puxá-los, e se exibindo para o resto da gurizada que também ostentavam os seus belos exemplares. Mas, havia algumas tardes em que a gurizada se juntava em grupos nos terrenos que tinham uma topografia mais plana para jogar os seus peões que ficavam girando, girando, até cansarem e tombarem, pedindo uma nova colocação da fieira. E eu estava lá, fazendo parte com o meu peão, existia uma paciência e coordenação para amarrar o cordão ou fieira, e aquela técnica para arremessar que fazia parte de todo o ritual, para ver qual o peão, que dava mais voltas, todas as brincadeiras, eram elaborativas e educacionais. Às vezes nós pegávamos com a mão o peão girando e fazia-o continuar a sua dança e seu ritmo em cima da palma da mão. O importante não valia competições, apenas demonstrar o melhor de si e suas habilidades para o resto da gurizada, que vibravam com as peripécias dos mais habilidosos. Cada tipo de brincadeira tinha a sua época do ano para a realização, e era muito saudável. Outra brincadeira que fazíamos, acho que era regional. Nós pegávamos um pneu velho e o mais corajoso se espremia dentro dele, e o outro menino o empurrava pela grama, até o mesmo balancear e cair e o “piloto” saia de dentro com uma tonteira danada. Quando só ficava nisso e ”piloto” não saía com alguns arranhões ocasionados pela parada repentina. Uma brincadeira que a gente podia considerar um “esporte radical”. Imagine se comprado com os esportes radicais praticados hoje. As brincadeiras de cabra cega, normalmente eram feitas por meninos e meninas. Um era escolhido para ser a cabra cega. Seus olhos eram vendados, e saia procurando a suas vítimas, para tocar com a mão. Aquela pessoa tocada passaria ser a próxima cabra cega. Outra brincadeira que parecida com cabra cega, era brincar de esconder, um ficava com os olhos tapados, enquanto os outros iriam se esconder, e depois o que ficava com os olhos tapados, iria procurar os demais e quando encontrava algum dava uma batida para marcar, no lugar onde ficava com os olhos vendados como se fosse o descobridor do escondido. Os que se escondiam, procuravam a marca e batiam com a mão, anunciando que não tinham sidos descobertos. A assim eram as brincadeiras do nosso tempo, saudáveis e sem perigos. Tinha também a brincadeira de pular Sapata, que era praticado somente por gurias. E porque não falar do jogo popular de belboques, que era composto por uma haste de madeira pendurado com um barbante, em uma espécie de sino com um buraco que após dar algumas voltas e peripécias, fazia a haste empunhada na mão, encaixar no buraco, e que logo após, fazia-se o regalito, que seria a parte com o buraco, dar saltos mortais e se encaixando habilmente. Ainda hoje vemos os belboques para a venda. E os jogos de bolinhas de gude, que eram próprias de meninos, onde tinham os craques, que ganhavam bolinhas que eram acertadas e colocadas para fora das demarcações, quando havia competições. Pularem carniça, onde um ficava em posição de pé, porém semi-agachado e o outro menino pulava por cima apoiando as mãos no dorso da “carniça”. Empinar pandorga era outro tipo de brincadeira que fazíamos, e que ate hoje são praticados, mas naquela época não se usava colocar vidros com cola na linha, para arrebentar a pipa dos “amigos”, e colocando em risco os usuários de motocicleta, que hoje precisam andar com uma haste parecida com uma antena na frente de suas motos para evitar ser enforcados pelas linhas assassinas. Uma brincadeira, transformada em perigos. Lembro-me também do aro de metal de bicicleta ou outro parecido que eu e a gurizada fazíamos rodar pelos campos e praças públicas que sociabilizavam e exercitavam mais as crianças e as mantinham com melhor saúde, pois, em todas as brincadeiras tinham um tipo de exercício físico. É e hoje tudo foi substituído pelo computador. “ERA UMA VIDA INFANATIL CHEIA DE SAÚDE E BEM VIVIDA NEM EM SONHO IMAGINÁVAMOS QUE UM DIA PODERIAM INVENTAR O COMPUTADOR”