Cenas do Bixiga em São Paulo
O homem esperava em pé que lhe entregassem a sua feijoada em frente ao bem frequentado bar do Zé, localizado entre as ruas Conselheiro Ramalho e Conselheiro Carrão no Bixiga. Admirava o zanzar frenético das pessoas, que lhes pareciam inquietas naquele sábado ensolarado, esperavam este dia chegar para saírem de suas casas apertadas e quentes e como não poderia deixar de ser, não se saciariam sem antes fartarem-se de um deleitoso rega-bofe.
Para quem mora na Bela Vista sempre há alternativas de lugares para se vivenciar bons momentos em família ou entre amigos ou até mesmo com cachorros. O renomado Bar do Zé, era um destes locais agradáveis, mantinha-se ali um constante clima fraterno, que acolhia livremente à todos os moradores e visitantes do bairro que se achegavam famintos. Eram muitos os que se reuniam ao redor das mesas bebericando a famosa caipirinha de vodca e limão rosa, oferecida como uma graça não cobrada quando a moça do caixa fechava a conta, e que servia para abrir os chacras dos intestinos, para despertar o apetite. Servir a bebida e anotar os pedidos dos fregueses era tarefa do garçom nota dez no quesito simpatia, ele andava com desembaraço prá lá e prá cá, espremendo-se entre as mesas, que eram poucas e concorridas, em permanente estado de alerta aos copos dos clientes, para que estes não secassem, então quando era preciso, executava um rápido movimento de agitar o gelo da caipirinha dentro da garrafa, e enchia os copos indefinidamente ou até ao ponto que algum companheiro mais sensível à bebida se recusasse a receber a dádiva do maître generoso.
O homem com uma das mãos segurava o Caramelo pela coleira, e com a outra equilibrava o copinho branco de plástico contendo sua preciosa caipirinha. A movimentação prosseguia à toda, do lado de fora formara-se uma pequena fila de clientes esperando a vez de entrar e devorar uma suculenta feijoada. Uma senhora achou o Caramelo bonitinho e foi fazer graça com ele, movimentando ambas as mãos em direção ao seu focinho amoroso; de fato era natural ter vontade de acariciar sua carinha fofa, com umas pelanquinhas de pele por todo o corpo, sobejando principalmente de sua bem alimentada pança, sua pelagem era típica dos “Caramelos” brasileiros, de um tom dourado, ruivo, exceto em sua patinha direita dianteira, em que parecia estar lhe calçada uma meia de pêlos brancos, devido este detalhe, algum morador do bairro o apelidou de “Pé de meia”; o Caramelo deu uma bela abocanhada de advertência, e a senhora rapidamente afastou as mãos, e deu uma risada estrondosa, dizia ter em casa um bichano parecido, raivoso, vingativo, um demônio em forma de pet que atacava com as garras abertas e mostrava os dentes afiados àqueles que tentavam uma aproximação.
Chega a vez da família que esperava do lado de fora, adentrar, eram quatro pessoas adultas, um grupo com a mesma quantidade de pessoas sai do bar; despedem-se do Paraíba, o garçom prestativo, agradecem ao Zé, que naquela hora da tarde, apresentava na face uma permanente máscara de suor, pois seu tempo era todo preenchido trabalhando na chapa fervendo, fritando carnes, ovos e o bacon. Com seu afetuoso sotaque nordestino, a quem partia satisfeito, com o bucho cheio, gritava, “Tamo junto, meu filho!”
Enfim, ficara pronta e embalada em isopor “para viagem” a feijoada do homem, sua namorada o aguardava ansiosa no apartamento que ficava há poucos metros dali, pagou a conta com o cartão de crédito, gritou ao Zé, como todos fazem ao se despedir, prometendo voltar mais tarde para devorar uma coxinha. Então, ocorre lhe um incômodo acontecimento: o Caramelo resolveu vomitar todo o conteúdo de rações canina e petiscos, devorados minutos antes, no apê da namorada. O homem então resolutamente passa a guia da coleira para as mãos do Paraíba, dizendo “Segure o Caramelo enquanto eu limpo a sujeira...!”, sem esperar resposta, atravessou o balcão, correu para trás de uma porta, e voltando, trazia nas mãos vassoura e um balde com água. Despejando a água, varrendo até o bueiro mais próximo da esquina, o homem desembaraçadamente afasta aquela maçaroca. Mais uma vez desculpa-se pela fortuita e desagradável cena, observando ao redor, desconfiado, fitava os outros clientes que nem o percebiam, tão entretidos estavam em suas conversas. Então, o homem partiu apressado, estava com fome, subiu a rua em direção à gárgula repousada em cima do tradicional Madame, o clube de música underground...
set/21