DEPOIS DO SETE DE SETEMBRO, QUAL SERÁ NOSSA NOVA APOSTA?
O que leva cristãos declarados a ignorem o clamor de milhões de desempregados, de famintos, de centenas de milhares de famílias enlutadas, e ganharem as ruas para protestar, ao contrário, em defesa dos responsáveis por esse caos?
Claudio Chaves
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Cartaz de convocação de protesto em Laranjal do Jari - Reprodução rede social
O HERCÚLEO e nada discreto empenho dos evangélicos apoiadores (aos quais muitos chamam de devotos) do Presidente da República nas alardeadas manifestações cujos organizadores chamam de “Nossa 2ª Independência”, convocadas, com o explícito apoio do mandatário do Planalto, para o dia 7 de Setembro, faz reacender nos observadores do cotidiano político nacional um dilema que começa com o atual mandato em 2019: afinal, de quem é o projeto de governo do “Deus acima de todos” em curso, hoje, no Brasil: do Presidente ou da Igreja [Evangélica]? Quem apoia e quem, na realidade, se apoia em quem?
O PRESIDENTE – até os postes sabem –, em suas 3 décadas de atividades parlamentares, jamais, nem de longe, levantou qualquer bandeira evangélica – assim como nunca deu a mínima pra situação caótica da segurança pública e dos policiais do Estado (RJ) o qual representava no Congresso Nacional.
POR QUE, então, os evangélicos – aquela parcela, que fique claro, que defende a implantação do Reino do Céu na Terra por meio da força política e, se necessário da policial –, sabedores do que o Presidente e sua família “fizeram no verão passado”, resolveram colocá-lo “no colo” como o novo enviado do Senhor?
A DEMOCRACIA – também isso não é segredo –, com seus ideais liberais de pluralidade, tolerância e ‘inclusivismo’, nunca foi uma proposta muito benquista aqui na “Terra de Santa Cruz”, onde, ora com os jesuítas, ora com a CNBB, outrora com os militares e, agora, com os evangélicos, o grande desiderato sempre tem sido a implantação de um regime de concepção unitarista, puritano e, de preferência, tendo como base não a filosofia humanística e o Direito baseado no consenso entre os indivíduos através de seus representantes eleitos, mas, ao contrário, os dogmas da fé segundo a interpretação da religião mais poderosa do momento.
NENHUM dos lados (Presidente e evangélicos) tem apreço pela Democracia – não porque entendem ser ela má em si; simplesmente, porém, reconhecem (com certa justiça) que para os seus planos de sociedade uniforme, “pura”, dogmática, metafísica, a Democracia representa um empecilho que precisa ser removido e, de preferência, usando o mote de que, ao contrário, o que se está fazendo é lutando pela sua consolidação; é mais ou menos como se alguém induzisse outra pessoa ao suicídio, mas convencendo-a de que está fazendo aquilo para que ela viva mais e seja mais saudável e mais feliz.
SE DEPENDESSE da vontade dos cristãos (quer católicos quer protestantes), a Democracia jamais se teria desenvolvido por essas Terras, ainda que da forma tortuosa como conhecemos.
ESSE (desprezo pela Democracia) é o ponto comum mais forte da ligação entre o Mito e os seus devotos.
Apoiadores do Presidente em protesto
NÃO é coincidência que a convocação do “ficar à Pátria livre ou morrer pelo Brasil”, passe a ser gestada exatamente quando, finalmente, TSE, CPI do Senado, PGR, PF e STF dão claros sinais de que começam a desenrolar o novelo que revelará, de forma clara e definitiva, o que o clã real (digo: presidencial) “fez no verão passado” – e, se duvidar, nas demais estações, alcançando até o verão deste ano.
TANTO o presidente quanto seus apoiadores, especialmente os evangélicos – por que os militares lá já estiveram e, por isso, o desejo é menos voraz –, percebem que a concretização de seu projeto (de sociedade unitária, puritana, teocrática) encontra-se seriamente ameaçado. Esse é o verdadeiro motivo que faz a irmandade, em grande parte teleguiada pelos seus mercenários líderes de renome nacional –, mesmo falando em nome de Deus, ignorar os quase 600 mil mortos pela pandemia (muitos desses por falta das vacinas que o Presidente não quis comprar), dezenas de milhões de desempregados, informais, e famintos, crise ambiental, inflação descontrolada, milhões de alunos sem escola, preço de combustíveis (incluindo o gás de cozinha) e energia elétrica nas alturas e apagão à vista, e se preparar para protestar contra quem ameaça desmascarar o Presidente supostamente honesto e sua família e contra uma suposta ditadura comunista que, pra variar, terá que ser implantada pela oposição, já que quem está no poder são os “cidadãos de bem, cristãos conservadores anticomunistas”.
DE COLÔNIA, passamos à Monarquia Imperial. Graças a insatisfação da alta burguesia agropecuária da época e a vocação de nossas Forças Armadas para golpes políticos, implantamos (ao nosso modo) a República. Sempre com o apoio – quando não com a intervenção direta – dos militares, passamos por duas longas ditaduras e, ao longo desses 521 agitados anos, tivemos (no começo dos anos 1960) uma experiência, em parte ingênua em parte irresponsável, de socialismo e, mais recentemente, um esboço do que seria uma social democracia.
NENHUMA dessas experiências, no entanto, nos habilita a dizer que experimentamos o que seja, de fato, uma sociedade democrática – até porque mesmo o simples conceito do que isso seja nos é ainda algo significativamente distante.
A PERGUNTA que se faz, diante do iminente naufrágio – ou pelo menos mais um adiamento – do sonho da teocracia evangélica (ainda que imposta com a ajuda dos rifles, de forças oficiais ou de milícias), depois do Sete de Setembro, qual será nossa próxima aposta de modelo de sociedade?!