A JANELA

Todos os dias Maria sentava ao pé da janela. Sua casa não possuía muros e Maria tinha uma ampla visão da rua e dos transeuntes.

Desde que um acidente lhe tirou a habilidade de andar, Maria pôs em sua mente que não arredaria mais o pé de dentro de casa. Então, todos os dias, desde a manhã até o alvorecer, ela se arrastava para a janela e observava o desenrolar da vida.

Ela via pessoas apressadas indo trabalhar, geralmente eram as mesmas caras. Ela se divertia com as trapalhadas que uma pessoa atrasada é capaz de fazer; a vítima preferida de Maria, nesse quesito, era a Dona Geralda.

— Está rindo por quê? — perguntou certa vez uma incomodada Geralda, que vivia correndo e que nunca pensou em sair mais cedo de casa para chegar no horário.

— Corre, Dona Geralda! Que o patrão te manda embora! — Maria ria-se toda, feliz em atormentar a pobre mulher.

Às vezes, até com o padre Brito a Maria zombava:

— Vai rezar a missa, padre? Cuidado para não gastar toda a oferta em jogos.

— Vá se converter! Menina endiabrada! — o padre esbravejava. A menina outra vez ria-se gostosamente.

Quando a rua tornava a se acalmar, Maria ficava a refletir. Dia após dia ela ficava na janela, já não havia mais um futuro diferente para ela. Maria iria envelhecer naquela janelinha, vendo o progresso asfaltar as ruas de terra, as crianças crescerem e alguns partirem para a melhor.

Ela atazanava a vida alheia para esquecer a sua própria. Maria sabia que existia um vasto mundo lá fora, mas desde seu acidente ela tinha medo de sair para explorá-lo.

Sem perspectiva, sem um alguém para suspirar de amor, sem motivação para agir, Maria se perdia no seu ciclo diário; e enquanto houvesse fôlego em seus pulmões, esperaria o próximo alvo da sua chacota passar por sua janela.