A novela
Manuela, uma dona de casa de meia idade, sonha escrever uma novela. É viúva e os filhos, já adultos e casados, seguiram as suas vidas.
Há dias, num jantar de família, falou-lhes nisso. Levantou-se um burburinho, todos querendo saber mais pormenores. Como conciliar a escrita com os afazeres da casa? E os netos, como recebê-los quando os pais necessitam dela? E o tema? E o enredo? Personagens? Revisor? Editor?
Mas Manuela já tem as respostas todas em mente. Vai continuar como até agora sem alterações do seu dia a dia. Escreverá quando puder e o tema será sobre a sua vida e os personagens, a família que ela construiu. Não precisa de revisor nem de editor. Não pensa publicar, ficará apenas para si e para os seus.
Munida de cadernos e canetas, prepara-se para iniciar a escrita. Vai fazê-la “à moda antiga” e depois passá-la para o computador.
Começará por si, pela sua infância tão rica de recordações (boas e más). Tem fotos, cadernos escolares e alguns apontamentos que a sua mãe deixou de algum momento mais significativo. Também ela seguiu os seus passos e fez o mesmo com os seus filhos e tenta fazer com os netos.
Cada foto conta uma história. Os rolos fotográficos de outrora eram caros e havia que contar também com a revelação. Agora é tudo mais fácil com a chegada da técnica digital.
Esta aqui: os pais muito novos ainda e uma criança ao colo dele. Era ela com quase 5 anos. Lembra-se bem desse dia. Estavam de férias e foram à praia. Depois da foto ela correu pelo areal, caiu e fez uma ferida num braço; uma concha partida espetou-se nele. Muito choro com lágrimas, algum sangue, a mãe muito aflita, o pai a consolar. Mas isto não está na fotografia... Anos mais tarde, muito mais tarde, aos seus filhos aconteceu o mesmo. Quem tem filhos sabe bem quantas vezes eles caem, se magoam e nós mães, sofremos e choramos com eles e por eles.
Esta: de bata branca. O 1.º dia de escola. Não ficou registado nela o medo que sentiu quando a mãe se retirou e a deixou só com desconhecidos... Quando muito mais tarde levou os seus, assegurou-lhes que ela estava lá fora à espera deles.
Outra: ela vestida de noiva. Nela não se vê a desilusão que foi o seu casamento. As zangas, as palavras injustas que ouviu de quem antes lhe jurara tanto amor. Nela também não estão as vezes que ele a agrediu e ela pensou pegar nos filhos e sair de vez de casa. Nunca o fez porque nesse tempo era uma vergonha uma mulher separada. Morreu jovem, o seu marido. Depois de uma noitada com os amigos teve um acidente com o carro e não mais regressou a casa.
Esta: ela com a farda de auxiliar de limpeza de um Hospital. Tem 3 filhos pequenos para criar. Nela não estão as humilhações a que teve de se sujeitar vindas dos encarregados e por vezes, de colegas.
Manuela tem muito material para contar na sua novela. Apenas está a começar...
Beijinhos
Teresa Lacerda
Manuela, uma dona de casa de meia idade, sonha escrever uma novela. É viúva e os filhos, já adultos e casados, seguiram as suas vidas.
Há dias, num jantar de família, falou-lhes nisso. Levantou-se um burburinho, todos querendo saber mais pormenores. Como conciliar a escrita com os afazeres da casa? E os netos, como recebê-los quando os pais necessitam dela? E o tema? E o enredo? Personagens? Revisor? Editor?
Mas Manuela já tem as respostas todas em mente. Vai continuar como até agora sem alterações do seu dia a dia. Escreverá quando puder e o tema será sobre a sua vida e os personagens, a família que ela construiu. Não precisa de revisor nem de editor. Não pensa publicar, ficará apenas para si e para os seus.
Munida de cadernos e canetas, prepara-se para iniciar a escrita. Vai fazê-la “à moda antiga” e depois passá-la para o computador.
Começará por si, pela sua infância tão rica de recordações (boas e más). Tem fotos, cadernos escolares e alguns apontamentos que a sua mãe deixou de algum momento mais significativo. Também ela seguiu os seus passos e fez o mesmo com os seus filhos e tenta fazer com os netos.
Cada foto conta uma história. Os rolos fotográficos de outrora eram caros e havia que contar também com a revelação. Agora é tudo mais fácil com a chegada da técnica digital.
Esta aqui: os pais muito novos ainda e uma criança ao colo dele. Era ela com quase 5 anos. Lembra-se bem desse dia. Estavam de férias e foram à praia. Depois da foto ela correu pelo areal, caiu e fez uma ferida num braço; uma concha partida espetou-se nele. Muito choro com lágrimas, algum sangue, a mãe muito aflita, o pai a consolar. Mas isto não está na fotografia... Anos mais tarde, muito mais tarde, aos seus filhos aconteceu o mesmo. Quem tem filhos sabe bem quantas vezes eles caem, se magoam e nós mães, sofremos e choramos com eles e por eles.
Esta: de bata branca. O 1.º dia de escola. Não ficou registado nela o medo que sentiu quando a mãe se retirou e a deixou só com desconhecidos... Quando muito mais tarde levou os seus, assegurou-lhes que ela estava lá fora à espera deles.
Outra: ela vestida de noiva. Nela não se vê a desilusão que foi o seu casamento. As zangas, as palavras injustas que ouviu de quem antes lhe jurara tanto amor. Nela também não estão as vezes que ele a agrediu e ela pensou pegar nos filhos e sair de vez de casa. Nunca o fez porque nesse tempo era uma vergonha uma mulher separada. Morreu jovem, o seu marido. Depois de uma noitada com os amigos teve um acidente com o carro e não mais regressou a casa.
Esta: ela com a farda de auxiliar de limpeza de um Hospital. Tem 3 filhos pequenos para criar. Nela não estão as humilhações a que teve de se sujeitar vindas dos encarregados e por vezes, de colegas.
Manuela tem muito material para contar na sua novela. Apenas está a começar...
Beijinhos
Teresa Lacerda