Crônica dos tempos do Castelo
Um ventinho frio entra no quarto, me obriga a pausar a leitura, levantar, fechar a janela. O som ritmado da panela de pressão percorre a casa, cruza com as velhas fotografias emolduradas no corredor e, agora que a janela está fechada, chega-me mais nítido. O celular na cama, sedutor como a nudez de uma ninfeta, me chama – aliás, me intima. Quem sou eu para não acatar os rogos da Senhora Dona Internet… nessas horas é justo, é muito justo que o livro espere um pouco mais.
Passeio pelo feed do Instagram, essa cornucópia de cores e jovialidades e sensações e desejos da contemporaneidade que, às vezes, traz notícias tristes. Como a que vejo agora: faleceu Sérgio Mamberti. Seu rosto estampado na tela imediatamente me evoca meus tempos de menino; mais precisamente as tardes em que eu suspendia as brincadeiras na rua para assistir Castelo Rá-Tim-Bum. E esperava, ansioso, o relógio anunciar: o Dr. Victor vai chegar, o Dr. Victor está chegando, o Dr. Victor chegou… as portas, então, se abriam e adentrava o bonachão tio Victor, de óculos, terno, gravata borboleta e chapéu inconfundíveis. Contudo, bom mesmo era quando ele despia o sorriso e invocava “raios e trovões!”; seu brado ecoava nos corredores do castelo, silenciando até os passarinhos na velha árvore. Saudosos tempos…
Lembro-me que, antes da antena parabólica chegar lá em casa, eu conhecia o programa da tevê e seus personagens apenas através dos colegas que, no recreio, comentavam o episódio do dia anterior. E eu ficava imaginando… naquele tempo se imaginava muito - muito mais que hoje – e sonhava que um dia teria uma antena capaz de captar os sinais da Cultura. Anos depois, em Ubá, no antigo cinema do calçadão da São José, assisti ao filme do Castelo… recordo que tio Victor aparecia diferente, com os cabelos longos, transitando por cenários sombrios que em nada lembravam o programa da televisão... Eram outros tempos.
O interfone rompe minhas reminiscências matutinas. Arrasto-me à sala, carregado de nostalgia. Na cozinha, a panela ainda chia; da escola vem um “parabéns pra você” cantado por vozes femininas; e, da rua, um vrum vrum irritante de carros e motos que não me deixa ouvir o homem no interfone.