CRISTO. ANTICRISTO. REELEIÇÃO.

“Invejo a burrice porque é eterna”, afirmou uma das melhores cabeças que enriqueceu o Brasil, Nelson Rodrigues.

O Brasil tem o vezo da cópia, como da reeleição americana, e não copiou toda a legislação, pois lá não há possibilidade de mandato – o terceiro, de forma alguma – para quem foi reeleito.

Estamos no momento em passeio embotado duas vezes, pela cópia um anticristo estaria afastado, e um fundamentalista sem condições de trazer incêndios para a nação.

Quando se estabelece a alternativa que fere uma interrogação profunda na forma e no substrato, nos aproximamos do conceito que tangencia o bem e o mal; o maniqueísmo.

Em pleito presidencial essa bipolaridade patológica faz o enredo.

A burrice do grande dramaturgo projetada desenha um momento atual decrépito, deseducado e que fere suscetibilidades primárias de arcabouço infantil. Isso é a história para registro da república.

O instituto político da reeleição é anódino, medíocre mesmo para a nação, no que entende com a possibilidade, sempre acionada, de quem está no cargo usar seu prestígio para alavancar a continuidade no poder. Não é difícil situar o uso dessa alternativa de poder para sufragar a continuidade. Desinteressa elencá-la aos que se informam como os que acessam a Internet e têm mínimo poder de avaliação. É e sempre foi assim. E é mesmo humana tal postura. Somente aos muito fortes de conduta o poder não seduz. Não há como negar o uso do poder e justificar-se o mesmo com a antecedência reiterada. Como se o erro se justificasse perante a lei, o anterior justificando o posterior.

O ponto alto, a cumeada da representação está na confiança e o parlamentarismo dá a nota dessa virtude, sendo o sistema ideal e praticado nos países mais longevos e ícones em educação.

Ou se tem confiança e o depositário representante da mesma permanece no poder ou dá-se a alternância por faltar confiança. É a melhor sinalização de representação em exercício pelas nações mais civilizadas.

Mas não interessa ao caciquismo brasileiro, que perdura, profissionaliza-se cada vez mais, enraíza, faz sucessores e sucedidos, implanta guetos como silos de votos armazenados, que se somam e se multiplicam a cada mandato.

Desinteressa ao espírito público a perpetuação no poder que a reeleição possibilita, pelo aparelhamento partidário que se faz no Estado. Com a máquina na mão, até mesmo reformas constitucionais favorecendo continuidades surgem. Exemplos nos são dados sempre, perpetuidade no Poder até pelo processo constitucional derivado, PECS.

Andamento em passeio pela história, que não faremos para não dilargar, ratifica o afirmado. A manobra das massas, sob enfoque assistencialista, de fácil trato, se colhe plebiscitariamente, basta a sagacidade de eminências pardas, sempre atuando nos bastidores, para alterarem-se regras republicanas. Se de iniciativa congressual, dobra-se o Congresso; se possível, processo legislativo originário no Executivo para tal fim; tudo com assento no povo, na condução plebiscitária, incendiária e amesquinhada por necessidades.

Aqui surgem os Cristos e os anticristos.

O anticristo é a repugnante figura bíblica, apocalíptica, que deverá aparecer antes do fim do mundo, espalhando sobre a terra, sobre o planeta, o crime, a impiedade, a mentira, a torpeza, o vilipêndio. Está presente, contudo, e sem visão pelas cegueiras a que alude o grande dramaturgo.

Mas será afinal vencido por Cristo. E O CRISTO SEMPRE VENCE, venceu a morte como testemunha seu túmulo vazio.

E o Cristo, todos sabem, veio ao mundo para fazer justiça, por isso nada respondeu a Pilatos, quando perguntado sobre o que era a verdade.

Mas a verdade, filha da justiça, faz o divisor de águas, irmana-se ao maniqueísmo; o bem e o mal, os opostos sempre em paralelos caminhando, mesmo com as susceptibilidades da cegueira. E o instituto da reeleição, na equação maniqueísta, configura e veste o mal, abre a porta ao mesmo porque possibilita-o, facilita-o.

A reeleição em nada favorece à alternativa sadia do processo legítimo e amplamente democrático da alternância no poder sem sustentações da máquina do Estado, este sempre forte como repassador do orçamento, a famosa lei de meios. E alimenta essa eterna qualificação de seguidores apontada pelo grande dramaturgo.

Afastar a reeleição para Presidente em reforma política urge, ou ao menos, impõe-se ao Presidente, como vigora para detentores de cargos de confiança, a desincompatibilização.

Qual a razão de haver barra enérgica para desincompatibilização de um Ministro e inexistir para Presidente, Governador e Prefeito? Quem pode mais? Quem tem mais influência? E este é o princípio regulador, teleológico da regra de desincompatibilização; abuso de poder, influência. A permanecer como está, a porta se abrirá sempre para o exercício maniqueísta.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 31/08/2021
Código do texto: T7332412
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