Os pintos, Estanislau e a comunicação

Aluu! Inuugujaq meus 23 fieis leitores e demais 36 que de quando em vez aparecem aqui na minha rádio literária para ouvir crônicas de massa. Ajunngilla?

O nosso colega de letras daqui do Recanto, o J Estanislau - irmão do Sô Lalá -, fez um texto chamado "Comunicação" (https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/7324197?fbclid=IwAR2zQLe5BbmRB3rvBgAN4PHJfHtFtsBQr4p3LVKmo6Z5wM9XNXY86djip3Y) e pediu, dentre outros, para esse genial Bacamarte desenvolver o tema em um texto. Pois eu aceito a indicação e passo a ele agora.

A comunicação é como um pinto teso e ereto: ou ela funciona no momento em que precisa ou não serve para nada. Tipo assim: ou o recado é entendido ou babaus. Nesses tempos em que um cara dos confins da Groenlândia pode falar em tempo real com um cara em Hong Kong, saber usar a língua faz toda a diferença. Como um inuíte pode falar sobre seu pinto teso e ereto com um chinês se os idiomas são tão diferentes, cantonês e kalaallisut? Assim, falar sobre o pinto teso e ereto sem saber usar bem a língua, fará com que a interação não acabe bem, não seja satisfatória.

Como uma imagem vale por mil palavras, há a possibilidade de um enviar a foto de seu pinto teso e ereto para o outro, eis que pintos existem em todo lugar e todos os reconhecem. Entretanto, haveria um problema: como tal recado seria entendido? "Ora, o que esse chinês que tem um pinto pequeno quer comigo?" "Uau, esse pinto do inuíte parece um galo de tão grande! Mas porque cargas d'água ele me enviou uma foto dele?"

Se o Estanislau me enviasse uma foto do pinto dele, eu pensaria, como charkycityense que conhece o Brasil, que ele queria me vender o mesmo ou que estivesse mostrando, orgulhoso, sua produção aviária. Já se eu mandasse uma foto do meu pinto pro Estanislau, ele, que desconhece totalmente se a gente produz e come ovos e galinhas aqui na inóspita Charky City, ficaria encucado: "O que o Baca está querendo me dizer com essa imagem?" O pinto dele está morto? Assustado? Embalsamado? Cadê a galinha mãe dele?

Bom, tem galinha de monte aqui em Charky City e eu adoro comê-las. Já comi muitas galinhas nessa vida, aí no Brasil e aqui na Groenlândia. Entretanto, depois que casei com a Louise, parei de comer galinha, pois ela não gosta. Galinha não entra na dieta aqui de casa. Logo, parei com essa galinhagem. Agora só como vaca. Carne e leite de vaca e ovos da galinha. Galinhas, não como mais.

Então, feito o pensamento sobre a importância da língua na comunicação, vamos à parte midiática do tema. Um pinto teso e ereto é um pinto teso e ereto em qualquer parte do mundo, tanto no tempo quanto no espaço, até onde os conhecemos, claro (o tempo e o espaço, não os pintos). Seja nas cavernas neandertais, nos papiros egípcios, nos rolos hebreus, nos livros impressos de Gutemberg, nos jornais das revoluções francesa e russa, nas rádios da Copa de 1958, na televisão da Copa de 1970 e na internet do Facebook e das fake news, um pinto teso e ereto será sempre reconhecido como tal.

"Os tempos mudaram. A comunicação também" - escreveu o Estanislau. Concordo. E ele arrematou: "Com as novas tecnologias as distâncias encurtaram. Hoje podemos falar e ouvir as pessoas pela tela do computador e do celular. Tudo muito rápido. Ou melhor, numa velocidade, que não temos, muitas vezes como acompanhar. A pressa é tanta, a ponto de não termos paciência de ler um romance de, digamos, cem páginas.  Na internet, então, um texto de cem caracteres corre o risco de não ser lido".

Só que isso mudou ao ampliar a relação midiática, não os conteúdos das mensagens e tampouco as pessoas. Um inuíte enviando uma foto de seu pinto teso e ereto para um chinês e vice versa, independente da velocidade com que isso aconteça, será sempre a mesma coisa, dois homens mostrando seus pintos um para o outro, seja lá qual for o interesse que tenham nisso, desvendado pela capacidade de cada um em usar a língua. Nesse mesmo sentido, o cara que gosta de ler e o que não gosta, percebidos no tempo (passado, presente e futuro) e espaço (geográfico), vão continuar como o são, independentemente das possibilidades midiátias - velocidade e abrangência.

Entender a mensagem continua sendo tudo o que importa, como afirmam os socioliguistas. O cara que não lia vai continuar não lendo, já o cara que lia vai continuar lendo, seja em qual mídia for, assim como um pinto pequeno cinês e um pinto grande inuíte vão continuar do mesmo tamanho, independente da mídia em que sejam vinculados em determinada interação comunicativa. E comer galinha continuará sendo comer galinha, seja do jeito que for em cada cultura gastronômica determinada.

É o que eu penso, Estanislau.

Qujanaq por terem dado uma passadinha por aqui hoje. Takuss"!


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Era isso pessoal. Toda sexta, às 17h19min, estarei aqui no RL com uma nova crônica. Abraço a todos.


MAIS TEXTOS em:
http://charkycity.blogspot.com

(Não sei porque eu ainda coloco o link desse blog, eu perdi a senha e não atualizo ele há séculos. Até eu descobrir o motivo pelo qual continuo divulgando esse link, vou mantê-lo. Na dúvida, não ultrapasse, né. Acho que continuarei seguindo o conselho que a Giustina deu num comentário em 23 de outubro de 2013: "23/10/2013 00:18 - Giustina
Oi, Antônio! Como hoje não é mais aquele hoje, acredito que não estejas mais chateado... rsrrs! Quanto ao teu blog, sugiro que continues a divulgá-lo, afinal, numa dessas tu lembras tua senha... Grande abraço".)

CARTA ABERTA aos meus caros 23 fieis leitores: 
https://www.recantodasletras.com.br/cartas/3403862

GLOSSÁRIO KALAALLISUT:
Aluu - Olá.
Inuugujaq - Boa tarde.
Ajuungila - Como estão?
Qujanaq - Obrigado.
Takuss' - Até mais.

Antônio Bacamarte
Antônio Bacamarte
Enviado por Antônio Bacamarte em 28/08/2021
Reeditado em 28/08/2021
Código do texto: T7330439
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