HOJE É TUDO NÃO

Sobreveio-me hoje repentina tribulação, algo brusco e doloroso capaz de transformar meu cotidiano, e não somente, nada foi tão comum ou normal. Abaixando-me para a execução de simples atividade corriqueira, o fiz de mal jeito, absorto em pensamentos, distraído com a beleza do amanhecer e sem atentar para minha idade e condição física. Via de consequência, afetou-me a coluna de forma imediata, agônica, quase insuportável. Ato subsequente e independente do meu querer, mornas e silenciosas, lágrimas vieram lamber-me as faces enquanto eu procurava qualquer posição capaz de aliviar o inesperado sofrimento. Ajoelhei-me, mas o resultado foram dores atrozes; sentei e nervos, músculos e ossos se engalfinharam numa luta de dor indescritível; lentamente me levantei, ou ao menos tentei, à medida que a agonia perpassava por toda a coluna lombar me permitindo, se assim posso definir, apenas recostar-me todo retorcido e doído.

Olhei em volta da cozinha - onde eu me encontrava naquele malfadado momento - , vislumbrei a sala adiante, voltei o olhar para a pia com algumas louças para lavar, vagueei meus olhos pela vassoura e a pá, ambas à espera para a breve varrida diária, desviei o rosto e avistei a poeira no chão sorrindo zombeteira da minha desgraça...fiquei sem ação.

Solitário, desprovido de apoio e consolo, deixei-me levar pela autocomiseração, calado, tenso, o esgar de dor e ansiedade me distorcendo as feições. Que era do amor, dos braços femininos macios e carinhosos em instante tão necessário? Por onde andavam os filhos e os netos? Que é de tudo? Um homem só não sobrevive ao desamor, não é saudável a solidão. Quem me ajudaria no remover os cacos da tristeza, no dar-me a mão e amparar-me os passos rumo ao sofá mais próximo, a buscar um analgésico ou qualquer outro lenitivo para mitigar as pontadas ardentes me passeando no corpo? Nunca é bom que um homem esteja só, principalmente se idoso, até por compaixão, por solidariedade, por amor ao próximo. Cair ao tomar banho, afetar a coluna devido a mero dobrar o corpo, o coração vazio, a falta de carinho e do conforto da voz amiga, infelicidades que não avisam e aparecem, soluços quase constantes nas noites de leito com um único travesseiro, a certeza de que se acontecer algo mais sério não terá a quem recorrer se não puder alcançar o telefone . Muito pode acontecer ao homem sem companhia.

Hoje não limparei o apartamento, não cozinharei meu almoço, não lavarei a louça suja, não controlarei o pranto, não conseguirei esquecer que esqueceram de mim.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 26/08/2021
Reeditado em 26/08/2021
Código do texto: T7329218
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