Bastou um tiro


     1. Nunca neguei minha simpatia por Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954). Sou queremista, desde a  mais tenra idade. Ainda nos cueiros, ouvia meus pais falando e elogiando um tal de Gegê, chamando-o de "o pai dos pobres".
     Tanta enfase? É para reafirmar minha admiração pelo saudoso líder político dos pampas, que governou este país por mais de vinte anos.
     
2.  Getúlio foi, para mim, o primeiro Presidente da República. Quando nasci, já o encontrei dono absoluto da faixa presidencial, que tomara, na raça, liderando a Revolução de 1930. Quando nasci, já o encontrei no Palácio do Catete, senhor absoluto, ao lado de dona Darcy Vargas; uma respeitada Primeira Dama, apesar das traquinagens do seu ilustre marido, um mulherengo.
     
3. Em crônicas passadas, falando sobre Getúlio, contei que em minha casa, na sua parede principal, por determinação de meu pai, via-se três grandes quadros: um do Coração de Jesus; um do velho com a velha, coloridos e juntinhos; e um do Presidente Vargas, com aquele seu inconfundível sorriso e seu impecável jaquetão. 
     
4. Minhas primeiras palmas para o Gegê explodiram no dia do seu aniversário natalício, 19 de abril. Aluno de escola pública, participava das paradas cívicas  e do hasteamento do pavilhão nacional. Pela frente de minha casa desfilavam o Tiro de Guerra e a banda de música do maestro Pedro Lima. 
     
5. Sim, havia missa pelo estadista aniversariante celebrada por padre getulista.      Meu vigário, padre Pita, inteligente e sabido, na surdina, se dizia eleitor de cabresto do doutor Getúlio. Mas fazia sempre um pedido: que não contassem ao seu bispo. E todos obedeciam. Até as beatas mexeriqueiras.
     
6. Manhã de 24 de agosto de 1954. Eu servia ao Exército Brasileiro, num quartel da arma de Artilharia, em Fortaleza, quando Getúlio se matou.      E o quartel entrou imediatamente em prontidão. Até seu sepultamento, meu quartel o homenageava, de hora em hora, com um tiro (festim) de canhão. Me senti homenageando, dignamente, o meu ídolo político, embora magoado. 
     
7. Contaram-me que, naquela manhã, Getúlio se reunira demoradamente com seus ministros, procurando encontrar uma solução para a profunda crise política que se abatera sobre seu governo.
     Conciliador, experiente, Gegê viu que não encontraria uma solução desejada e definitiva.      Abandonou a reunião, dirigiu-se ao seu quarto de dormir, vestiu seu pijama e bastou um tiro no peito para deixar a vida e entrar para História, segundo diz na "Carta Testamento" que deixou, sem dúvida uma página da História do Brasil que nunca morrerá.      
     Faz 67 anos que Getúlio se suicidou. Fui testemunha desse acontecimento. Lembro-me como se fosse hoje.

EM TEMPO - Escrevi esta crônica com o sol se pondo. Mas homenagem se presta a hora que for. É sempre atual.    
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 24/08/2021
Reeditado em 24/08/2021
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