Os talibãs e a religião na política
Poderia um sectário talibã filosofar? Com pouca probabilidade. Primeiramente, quem filosofa consequentemente não seria sectário; também admitiria um conhecimento livre do conhecimento dogmático, relativo a qualquer fé religiosa. Quando se classifica, ainda hoje, alguém de talibã, define-o, conforme eles próprios publicamente confessam, como um acerbado seguidor de um intransigente fundamentalismo islâmico, letra por letra do Alcorão. Tenho minha religião, que haja religiões, seitas, contudo seus adeptos não devem ser orientados por essas práticas, a desrespeitar o direito de cada um à liberdade de escolha política ou de sua conduta social, desde que não afete o direito de todos ou o bem coletivo, ao que se deve buscar perfeição, numa república democrática.
Nesse aspecto, jamais se obstaculizaria o direito de a mulher mostrar o seu rosto, ter livre acesso à educação e ao mercado de trabalho. As burcas da vida seriam facultativas... Quando a religião restringe tais direitos, admitir-se-iam opções subjetivas, pessoais, mas sem a imposição de uma prática religiosa, tentando universalizar esses comportamentos para toda sociedade. Nesse contexto, quando a religião predica tais propósitos, comete a crueldade da discriminação... Há sinais, por aqui, sem acero, desse “talibanismo”, tentando fazer a interferência da religião nos nossos poderes constituídos, já quase republicanos e quase democráticos. Isso ocorre, no campo político, ao se fazer proselitismo para se eleger uma “bancada de tal religião” ou de favorecer, sem outros adequados critérios, a presença de algum credo nos nossos tribunais de justiça. Ao bem da objetividade, pouco importa que juízes ou ministros da Justiça sejam evangélicos, católicos ou até mesmo indiferentes ou ateus. O critério, por si só, estabelece-se: tenham esses cidadania, idoneidade, discernimento e jurisprudência.
O reitor do Seminário, Dom Luís Fernandes, também professor emérito de Filosofia, da FAFI (então Faculdade de Filosofia da UFPB), recomendava-nos a Biblioteca Pedagógica Brasileira, organizada por Fernando Azevedo, que nos listava densas e profundas obras, dentre elas, duas do pensador Alberto Torres: a atualíssima O problema nacional brasileiro e a conceituada A Organização Nacional que já me advertia, nos meus remotos tempos de formação, que o funcionamento do Estado não deve se restringir a alguma determinada religião, tampouco às de pregação de caráter dogmático. Quanto a isso, refiro-me ao judaísmo, ao cristianismo e não só aos países islâmicos. O Estado é laico. E assim devem ser suas organizações políticas e públicas.
O laicismo do Estado, que apregoa todo o Ocidente aos talibãs, é o mesmo conceito que deveríamos aplicar aos nossos poderes constituídos: executivo, parlamentar e judiciário. Desde minha adolescência, encontrei nas páginas de Alberto Torres e de Alceu Amoroso Lima, que, pela filosofia do Estado, o laicismo deve se empregar com total vigor, sem brechas a qualquer pieguismo. Caberia ao Estado assumir uma orientação filosófica racionalista, que o tiraria do neutralismo para posicioná-lo, devidamente, na laicidade. Sou católico, e assim confesso que o Estado não repudiaria qualquer religião, mas adotaria uma filosofia de equilíbrio, que respeite todas as religiões e que não deixe, como pode acontecer no Afeganistão, a hegemonia de uma única religião no poder, imiscuindo-se nas coisas e na finalidade do Estado. Vi e ouvi os dirigentes talibãs reclamando, ao Ocidente, liberdade para sua “República Islâmica”. Esta mesma liberdade só existirá, consentindo-se a liberdade religiosa. Que se obrigue o atual poder talibã propiciar essa mesma liberdade à sua população afegã. Quanto a nós, restemo-nos atentos às igrejas que desejem eleger suas bancadas... Evitemos que os dirigentes religiosos substituam os políticos; e a religião, o Estado.