ARICY CURVELO E O RETORNO ETERNO DO ETERNO RETORNO

Aricy Curvello foi o primeiro uberlandense que conheci. Dotado de uma rara capacidade de utilizar a palavra como arma, escudo, horta e jardim, desde que nos conhecemos percebi que aprenderia muito sobre a confecção poética com ele. Poeta sensível e arguto, tradutor e ensaísta, Aricy se revelava ourives, escultor e arquiteto da língua. Ostentava com seu silêncio a sabedoria dos grandes mestres, sem afetação ou falsa modéstia. Era didático e até paciente para apontar equívocos em meus percursos poéticos, sem jamais deixar que eu desanimasse no meu intento. Citava contradições mas indicava caminhos.

Sua produção poética de mais 40 anos pode parecer pequena quando vemos apenas 5 livros lançados (“Os dias selvagens te ensinam” (1978), “Vida fu(n)dida” (1982), “Mais que os nome do nada” (1986), “Uilcon Pereira: no coração dos boatos” (2000), “50 poemas escolhidos pelo autor” (2008). Contabilizando uma extensa participação em coletâneas e antologias no Brasil e exterior, o poeta de Uberlândia (que, depois de rodar o Brasil e o exterior, escolheu Serra, na costa praiana do Espírito Santo para viver), era um leitor sensível, dedicado e concentrado. Parecia um asceta mas na verdade era um operário das letras.

Foi ele quem me apresentou Hélvio Lima, artista visual arrebatador, nascido e vivendo até hoje na mesma encantadora Uberlândia. A terra gira (e, em tempos de terraplanismo, é sempre bom lembrar que a terra é redonda, portanto, roda!), Hélvio, que também é poeta e editor, se tornaria um irmão, mentor e guia deste degustador das iguarias da arte. Tanto que a primeira exposição que organizei em minha vida, em 2011 no espaço cultural A Casa Amarela, em São Miguel Paulista, foi com os postais que ele pintou e depois imprimiu, todos baseados em versos esparsos do Aricy.

Com o tempo, a intransigência política e a crítica enfática a qualquer comportamento à esquerda, foi transformando Curvelo num homem de trato difícil. Por conta dessa dificuldade de diálogo, diminuí drasticamente a troca de correspondências (cartas, e-mails e redes sociais virtuais). Me afastei dele e, segundo percebi, ele de muitos. E continuamos nos correspondendo, ainda que cada vez mais esparsamente. Mesmo assim, ele continuava (continua) sendo um farol para este aprendiz de feiticeiro. Tanto que aguardava ansioso o seu novo livro, Menos Que os Nomes de Tudo, prometido há anos, quando fiquei sabendo, no início de 2018, que Aricy Curvelo falecera, após um período doente e longe da família e dos amigos. O comportamento irascível tinha afastado muitas das pessoas próximas.

O motivo dessa confissão, na verdade, é que isso fez com que a minha relação com Hélvio (e sua linda família; sua musa, Adélia, é uma escultora refinadíssima; e sua filha, Isabela, uma fotógrafa muito sensível), se ampliasse a tal ponto que logo depois o movimento das estrelas permitiu-me visitá-los em seu ateliê, no Fundinho, bairro histórico de Uberlândia, para a produção de um filme sobre os trabalhos do trio.

O rio da vida seguiu seu curso e agora, na semana passada, um pacote pesado e sortido chegou-me às mãos através do Correio. O endereço do remetente indicava que vinha fartura “das boa” la´do Triângulo Mineiro. E a abertura do envelope fez com que eu não pudesse conter um grito de espanto e entusiasmo. Dentro, entre tantos mimos mineiros, uma versão fac-similar de “Os dias selvagens te ensinam”, que procurei esses anos todos e não encontrava nem em sebos.

Como dizem os mestres de várias latitudes, longitudes e placitudes, a arte é o que permite que a vida seja mais respirável, mesmo em tempos de pandemia. Gratidão, universo! Gratidão, família Lima! Tim-tim.

Aricy Curvelo “assina” duas salas, com obras raras que ele juntou, catalogou e doou: uma na biblioteca da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) (https://www.bibliotecas.ufu.br/colecoes-especiais/colecao-especial-aricy-curvello) e outra na Biblioteca Nacional de Brasília (BNB) (http://www.bnb.df.gov.br/sophia/index.html)

E para quem a curiosidade assanhou, uma ótima introdução ao seu perfil está descrita em:

http://www.antoniomiranda.com.br/Iberoamerica/brasil/aricy_curvello.html