Um presente cheio de passado
“Um presente cheio de passado”
Lília Schwarcz
-Escravidão, racismo e autoritarismo
Lília Moritz Schwarcz ainda não tinha o doutorado quando publicou, em 1993, O espetáculo da raças”,e precisou enfrentar resistência ao tocar no tema racismo. Nele afirmava que nossa Democracia racial estava a um passo de um 'apartheid' racial.
Quando foi implantada a “Democracia Racial” buscou-se por uma decisão de cima para baixo, jogar debaixo do tapete séculos de situações mal resolvidas e determinou-se que fossem esquecidas. Poderia ser uma solução se o racismo não estivesse tão eivado na sociedade e nas classes sociais. Logo após a “Abolição da Escravatura”, as desigualdades tornaram-se claras e as mazelas tornaram-se feridas abertas. Aos negros foi negada a cidadania, mesmo pela República. Negros não podiam ser alfabetizados, terem propriedades e continuaram a ser mão de obra para trabalhos pesados ou domésticos. Ao mesmo tempo, o incentivo a imigração européia com o claro intuito de “branquear” a população de grande parte negra, índia, mestiços das duas raças, além descendentes de portugueses nascidos aqui. “Teorias científicas” do fim do século XIX e início do seculo XX, atestavam que o europeu seria uma raça superior, em detrimento de outros povos, o que justificou a exploração destes. Mesmo tais teorias , com o tempo refutadas foram incorporadas ao 'senso comum' o que influenciou na estruturação da sociedade em formação. Negros continuaram ser uma raça 'impura', que deveria ser mantida a distância, 'má índole', 'criminosos', 'proscrítos'.
Hoje vemos o resultado, dessa 'pecha' na crescente desigualdade. No olhar desconfiado dos bairros de classes média e alta, que ao 'empurrar' as populações pobres para as margens da sociedade, relega a eles, um tratamentos igual dado aos negros desde o início marginalizados. Bairros populares sem investimento em educação, em saúde, em infraestrutura e em segurança são locais de 'batidas' policiais e com frequentes vítimas de balas perdidas ou de exploração por milícias.
Nesses endereços, o policial pobre - muitas vezes negro - se vê como autoridade impondo aos iguais o autoritarismo e o racismo que sofre da estrutura. Aprende tratar vizinhos como suspeitos, bandidos elimináveis, e, se esquece que só é mais uma peça nesse jogo que todos têm em si o alvo tatuado.
Passa o tempo e revivemos as feridas do passado, que não passa! Para acontecer a mudança, precisamos falar de racismo, pois a ferida já se tornou crônica. O racismo é uma invenção branca para justificar, não só a exploração da mão de obra, mas as perversões que resultaram em famílias destruídas, órfãos, gerações inteiras tendo o crime como opção.
Essa visão desumana faz estruturas de poder, de segurança, de educação, de saúde, dispensarem à população negra uma constante opressão e que a própria religião ajudou na propagação da dita “A maldição de Cam” que os próprios negros são convencidos do 'defeito de cor', buscarem sem vitória aparência de branquitude, não assumindo cabelos, vestuário, costumes, que eles próprios cuidaram de apagar.
O autoritarismo sempre esteve entre nós como forma de manter o 'status quo'. Nada de verdade é modificado, para que continue existindo o elevador de serviço, o quarto da empregada, que o brasileiro 'ostenta' diante do incrédulo europeu. Este europeu, já passou da fase sádica desse tipo de sociedade mas vem de lá essa prática, apenas estamos alguns séculos atrasados.
No filme “M8” esse -“Racismo estrutural”, de Sílvio Almeida - é demonstrado de forma clara. Não são vistos negros em posições ocupadas na maioria por brancos, porém os negros lá estão, invisibilizados como faxineiros, motoristas, porteiros e mesmo cadáveres para estudo. A sociedade racista mantém 23 ngros morrendo por minuto. Destes até as lágrimas são silenciadas. Como cidadãos , nunca existiram.
O negro vive em todos ambientes, a não ser na sua casa, o preconceito racial, a desconfiança, já que a carteira profissional funcionou como atestado de não vagabundagem muito tempo. Em tempos que o emprego com carteira assinada se torna cada vez mais raro, mais e mais serão alvo de discriminação. Mais mães procurarão seus filhos desaparecidos e julgados pelo guarda-da-esquina, empoderados pela farda, vide Jacarezinho. M8 é um drama real e diário. Onde ao negro tudo é negado. A dita meritocracia, não funciona para quem tem que competir e sobreviver ao mesmo tempo.
Sandra Corrêa Nunes, 17 de gosto de 2012 – Grupo Escravidão em São João Del-Rei e Vertentes